Joyce era um travesti conhecido em todo o baixo meretrício da Lapa. Há três anos que brilhava na esquina da Lavradio com a Mem de Sá ,exibindo seus enormes peitos e bunda de silicone. Sua fama extrapolava as fronteiras nacionais e, de vez em quando, apareciam estrangeiros ricos pagando qualquer preço por uma noite com o transformista.
Uma noite, Joyce foi encontrado morto no terreno baldio atrás do prédio que fora uma delegacia. Tinha o corpo todo picado de faca, os pés esmagados e as pontas dos dedos amputadas. Seus colegas desesperaram-se e deflagraram um início de rebelião na área, que hoje é um dos principais pontos turísticos da cidade. A polícia chegou descendo o cacete e, na confusão, outro travesti foi baleado e morreu horas depois no Souza Aguiar.
Dizem que foi essa a situação que levou Antônio Rodriguez, segurança do Carioca da Gema, casa de show na Mem de Sá, a escrever um lindo poema sobre o acontecido. Um amigo de Antônio, que preferiu não se identificar, disse que Antônio era irmão do travesti morto durante a rebelião que se seguiu ao assassinato de Joyce.
Esse texto chegou às minhas mãos da maneira mais fortuita, que não convém revelar agora. Transcrevo abaixo o poema.
a morte e seus olhos tristes
a mancha rubra na parede
foi o beijo odioso da morte
sorriso destroçado
pela dureza do ferro
que reveste a maldade dos corpos
corpo picado de faca
como bruxas a queimar
no fogo frio do preconceito
duas moças turbinadas
de bunda dura e peitos fartos
morreram sem incomodar
a festa da juventude luzidia
ígneo-azul-outrora
que amarga a pizza
suculenta de nosso fracasso
amor morria em mim
como nuvens carregadas
que não chovem sobre a seca
glórias da dor
incendiaram-me os rins
e não tenho ouro
pra destruir o fígado
morreu a explosiva flor
da madrugada intrépida
morreu a outra que me beijava
secretamente no banheiro
deixem-me aqui-lonjuras
observando a queda irreversível
de mim em mim,
nas profundas do inferno
ar-condicionado dos bares de luxo
em que vendo meu sangue
infectado de poeta
por setecentos reais
no dia 30.
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2 comentários:
Miguel, me chame do que quiser, mas eu AMEI o texto que você publicou na NovaE (http://www.novae.inf.br/pensadores/perala.htm) e "REPUBLIQUEI" no meu blog. Cara, meus parabéns! Falou tudo que eu gostaria de falar mas infelizmente, não consigo nem tenho meios abrangentes. Republiquei o texto no meu blog, deixando lá seus créditos, obviamente, e repassei para toda minha lista de contatos de e-mail. Fiz mal? Espero que não cara. Um forte abraço e continue nos presenteando com textos como este.
Fez bem, George. O texto é político e tem intenção política, ou seja, quanto mais gente ler, melhor. Abraço.
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