Noite no Mineiro, conversando sobre artes plásticas


Sábado chuvoso no Rio. Juliano Guilherme passou aqui em casa para eu ajudá-lo a fazer seu novo Book de pinturas. Depois, fomos bater um papo no Mineiro, em Santa Teresa. Acima, O Torso, uma de suas telas mais interessantes. A Priscila e uma amiga estão estudando uma possível exposição de Juliano em Paris, em junho do ano que vem, patrocinada por um empresário francês.

O ouro de Moscou

A última diabrite da Veja confirma a imoralidade de parcela da mídia nacional. O afã de derrubar Lula tem levado Veja, Estadão, Primeira Leitura, às raias do absurdo. A reportagem da Veja é baseada no vago depoimento de dois sujeitos, que por sua vez ouviram a história de uma outra testemunha, já falecida. Um dos sujeitos é Rogério Buratti, aquele desafeto do Palocci que não merece a mínima credibilidade; o outro já negou a história. Sem nenhuma prova, da mesma forma que acusou o PT de receber dinheiro das Farcs, a revista afirma categoricamente que houve tal absurda operação. Ô revistinha! O trenzinho da direita, naturalmente, foi todo atrás: as já citadas mídias logo reproduziram a denúncia de Veja, com os devidos acréscimos editoriais.

O lado positivo é que o PT, com uma diretoria novinha em folha, está recuperando sua capacidade de luta, seu espírito de combate, sempre necessário na política. O PCdo B, recém-saído de um Congresso em que confirmou sua diretoria, também está fortalecido. As CPIs não encontraram, até agora, nenhuma prova de "maior corrupção de todos os tempos". Com a queda de Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, em função de seu envolvimento com o esquema de Marcos Valério, com participação do mesmo Duda Mendonça, o tucanato entrou em parafuso. Isso sem falar na matéria da Carta Capital desta semana, denunciando a corrupção pefelista na Bahia.

Está cada vez mais explícito que setores reacionários estão patrocinando uma guerra sem lei, escrúpulos ou limites contra o presidente eleito com 53 milhões votos. É o desespero. Mas a história não é burra. A reportagem serviu para a Embaixada de Cuba, negando veementente qualquer interferência no processo eleitoral brasileiro, manifestasse apoio à Lula e repúdio às forças reacionárias que operam ao longo de toda América Latina, visando desestabilizar governos não-alinhados à política direitista de Washington.

Jam Session reúne poetas cariocas



A Rio Jam Session, ocorrida na última quinta-feira, reuniu vários poetas e colaboradores do nosso site Arte & Política, e outros que atuam em outros territórios. Estavam lá os poetas Brasil Barreto, Guilherme Lessa, Jean (versos da meia noite), Planchet, além do artista plástico Juliano Guilherme, autor da pintura acima.

A festa, como sempre, começa a esquentar bem tarde e foi até quase de manhã. Eu tive que me retirar mais cedo, por razões soporíferas e financeiras, mas voltei feliz com a sinuca jogada no primeiro andar da casa e em saber que mais um lugar de resistência cultural ganha vida no Rio de Janeiro.

O Alfândega 7, no endereço do mesmo nome, terá eventos de quarta a sexta. Lembrando: fica quase em frente ao Centro Cultural Banco do Brasil, num prédio de esquina da rua da alfandega com a primeiro de março. Os ingressos estão sempre na faixa dos R$ 5. A Rio Jam Session vai rolar toda quinta-feira.

Jam Session na Alfandega 7

Nesta quinta-feira 27, grande noite de reinauguração da Jam Session, com shows, recitais, exposição de arte, sebo, festa. Tudo por R$ 5,00.

Será a oportunidade de ver o poeta Miguel do Rosário recitando o famoso poema Fantasma da Puta, além de outras produções mais recentes.

Mais informações no site do Arte & Política, que aliás, está com edição nova.

A vida imita Nelson Rodrigues

Saí de casa por volta da meia-noite. Objetivo: comer um contra-filé no Nova Capela. Há alguns anos que não me concedia esse pequeno luxo... Na rua do Riachuelo, vazia e iluminada, um casal chama minha atenção. O homem caminha dois passos à frente, evitando encarar a mulher, que lhe aplica, intermitentemente, enérgicos empurrões no ombro.

- Você bebe e fica assim... ridículo.
- Eu não passei a mão em ninguém não.
- Cala a boca. Eu vi. Quero só ver se eu te botar um chifre. Na tua frente.
- Não fiz nada.
- ME RESPEITA! ME RESPEITA! Não sou nenhuma vagabunda! Se continuar assim, vou ficar com um amigo teu na tua frente. Vou beijar na boca na tua frente.

O homem não consegue caminhar em linha reta. Cambaleia para direita, para esquerda, e não tem coragem de encarar a mulher. Limita-se a dizer:

- Fala baixo. Fala baixo.
- Fala baixo nada! ME RESPEITA! ME RESPEITA! Não sou vagabunda.

A mulher já começa a ficar repetitiva. O homem também.

- Fala baixo.
- Vou botar um chifre em você, na tua frente. Beijar na boca dum amigo seu na tua frente.
- Fala baixo.
- ME RESPEITA, SEU MERDA!

Eu apresso o passo, não por falta de curiosidade, mas por compaixão pelo pobre homem, cuja maior angústia era que o mínimo de pessoas testemunhasse aquele vexame.

Lição da história: todo homem é bêbado, toda mulher é histérica, e a vida imita Nelson Rodrigues.

Entrevista com Luis Eduardo Matta

Há muitas semanas que venho querendo fazer uma entrevista com o escritor carioca Luis Eduardo Matta. Entrei em contato com ele, mas disso resultou antes um artigo, de minha autoria, sobre a Literatura Popular Brasileira, uma bandeira teórica defendida pelo jovem autor. Agora, vejo que o site Cortiça, saiu na minha frente e fez a entrevista. Publico abaixo um trecho da mesma.


É idealizador de um movimento batizado como LPB – Literatura Popular Brasileira, que defende o desenvolvimento de uma literatura de entretenimento brasileira. Fale um pouco disso.

Esse é um tema complexo. Eu sempre me perguntei por que o Brasil, que tem uma literatura tão extraordinária, um povo criativo e, ao mesmo tempo, um enorme déficit de leitura, nunca viu surgir uma corrente de escritores cujos trabalhos fossem destinados ao simples entretenimento do público leitor. Leio desde garoto, desde os dez, onze anos. A leitura para mim sempre foi um ato de lazer, equivalente ao que é, para muitas pessoas, ligar a TV à noite para assistir às telenovelas. E o que me despertou para a leitura, foi a literatura de entretenimento, mais especialmente, a literatura policial. Gosto dos clássicos, gosto da chamada “alta literatura”, mas sou também um grande leitor de best-sellers. Há muito preconceito por parte dos formadores de opinião em relação aos best-sellers. Isso ajuda a reforçar um estereótipo de que literatura é coisa apenas para intelectuais. Não acredito que o surgimento de uma literatura de entretenimento brasileira iria aumentar o número de leitores. Jamais atribuiria a ela esse caráter messiânico, redentor... Mas é preciso acabar com essa deferência que existe em torno do livro no Brasil. As pessoas só terão a leitura como hábito, quando a encararem como uma atividade lúdica, prazerosa, um momento diário de lazer e não como uma obrigação ou, pomposamente, como um instrumento indizível de busca pelo conhecimento e pela sabedoria. É preciso dessacralizar a leitura no Brasil. Só assim ela será democratizada. E se estamos falando da dessacralização da leitura, por que não falar também da dessacralização da escrita? Por que o escritor precisa, necessariamente, ter uma proposta ao fazer o seu livro? Por que ele não pode se limitar ao papel de contar despretensiosamente uma história de começo meio e fim? A LPB abriria um caminho a mais na literatura brasileira, não competiria de modo algum com a tradição já existente. Os livros seriam escritos, publicados e vendidos a quem se dispusesse a comprar. O que há de errado nisso? Ou será que a nossa intelectualidade é tão arrogante a ponto de querer determinar o que as pessoas devem ou não ler?

Qual é a sua opinião do motivo de existir uma escassez de escritores nesse gênero literário?

A literatura de entretenimento, em geral, não só a de suspense, nunca foi valorizada no Brasil. Quem diagnosticou isso muito bem foi o crítico José Paulo Paes, que afirmava que o panorama literário nacional sempre foi muito mais propício ao surgimento de literatos que poderiam prescindir da venda dos seus livros e ficariam satisfeitos com o prestígio que a sua obra lhe traria. A verdade é que a literatura de entretenimento, por si só, não traz prestígio ao seu autor. Ela necessita de uma resposta maciça de um público, digamos, mais amplo e isso é complicado num país como o nosso onde os índices de leitura são baixos, as tiragens mínimas, os canais de distribuição ineficientes e a mídia cultural muito reduzida se comparada ao volume mensal de lançamentos. Do mesmo modo, o ambiente literário brasileiro sempre foi dominado por intelectuais e pseudo-intelectuais, por vanguardistas e pretensos vanguardistas, alguns com muito estilo e pouco conteúdo. Quase todos querendo desconstruir a linguagem e reinventar, cada qual a seu modo, a literatura. Num ambiente assim, é difícil uma literatura modesta como a de entretenimento vicejar, pois ela não é, necessariamente feita por intelectuais e muito menos para intelectuais.

Além disso, existe um terceiro problema: os autores brasileiros não têm muita noção de como escrever literatura de entretenimento. Pensam que por ser uma leitura mais simples, sua concepção é fácil, o que é um engano fatal. Isso é particularmente evidente na nossa ficção policial, que, salvo algumas honrosíssimas exceções, é muito ruim, de uma inconsistência quase infantil. Os autores que se aventuram pelo gênero pensam que basta colocar um crime no início da história, um detetive destemido, algumas cenas de sexo, outras de ação, a solução do crime no final e bingo: está pronto o livro. Os resultados costumam ser sofríveis e estão aí; basta ir a qualquer livraria para ver. Os grandes autores internacionais de entretenimento, incluindo os de livros policiais, costumam reescrever suas histórias sucessivas vezes, dando-lhes um acabamento que seria improvável na primeira versão. Os escritores brasileiros, infelizmente, ainda não aprenderam isso. Eles não se deram conta ainda de que a concepção de um livro de entretenimento é extremamente complexa, até para que a sua leitura seja simples, fluente e estimulante.

Um mal com raízes profundas

Terminei de reler, há poucos dias, o livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e estou traçando agora o Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. É sempre impressionante verificar como problemas tão antigos conseguiram estender sua herança até nossos dias.

Freyre explica, em linguagem exuberante, as origens culturais, sexuais, econômicas, psicológicas, patológicas, do caráter brasileiro.

O antropólogo pernambucano lança por terra muitas teorias ufanistas sobre as riquezas do país. O solo brasileiro sempre foi pobre, o clima tropical antes dificultou que ajudou no cultivo de plantas nutritivas e o sistema implantado, de monocultura, terminou por trazer enormes limitações para a alimentação nacional. Esta deficiência, afirma Freyre, senão foi fundamental, como acreditam extremistas, foi importante, ou antes, nociva ao desenvolvimento saudável da economia brasileira.

A divisão de classe ente senhor e escravo também deixou marcas profundas na sociedade.

Interessante ainda a afirmação de Freyre, com base em abundante material bibliográfico, sobre a disseminação do sangue negro em todo país, incluindo os sertões. Os negros aquilombados nos sertões foram muito mais numerosos do que conta certa historiografia oficial. Eles raptavam as moças-índias nas aldeias e daí produziu-se uma vasta população mestiça pelo país.

O livro de Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, aprofunda-se sobre a influência da cultura ibérica sobre a nascente cultura brasileira, e as diferenças entre o rigor acadêmico dos espanhóis e a lassidão esperta dos portugueses.

Nos dois livros, fica claro que os portugueses se diferenciaram de outros povos colonizadores pela ausência de preconceito sexual. Os lusitanos compensaram a reduzida população pela generosidade com que doaram seus espermatozóides às lindas mulheres que aqui encontravam, entregando-se fácil em troca de qualquer bugiganga européia.

O vale dos posts perdidos

Passei uma hora escrevendo nesse blog, cliquei em Postar e apareceu na tela: Houve Erros. Resultado, trabalho perdido. Para me consolar, penso que foi uma intervenção divina. Deus é o grande editor, e quando não gosta de um post, ele intervém e produz erros nos provedores de blogs.

Mas sou persistente, e lá vai mais uma abrobrinha literária. Um conto, de minha autoria, intitulado:

Diário de um escritor bêbado, anônimo e fracassado

Não tenho computador, e descobri somente há poucos dias o que é um blog. Um amigo, artista plástico antenado com o mundo moderno, e que sempre paga umas cervejas em troca de meus trocadilhos, foi persistente e conseguiu me transmitir alguns conceitos importantes sobre o universo virtual.

Ele me prometeu publicar essa crônica em seu blog. Então vamos lá. Apesar de ele ter me explicado que hoje em dia existem milhões de blogs, tenho esperança de que, com a publicação desse meu primeiro texto, o sucesso finalmente baterá a minha porta.

Tenho trinta e cinco anos, sou solteiro e moro na Lapa, centro do Rio. Há dez anos que estou desempregado, ou melhor, que faço questão de não trabalhar. Minha renda é uma modesta mesada que recebo de minha mãe, professora aposentada que concluiu, talvez com razão, que tenho uma espécie de doença mental e portanto incapacidade para qualquer tipo de trabalho. Minhas veleidades literárias, para ela, apenas confirmam essa teoria.

Dedico-me exclusivamente à literatura. Digo: à literatura, o que não é o mesmo que dizer: à escrita, ou à leitura. Recebo 800 reais de mesada, gasto 350 com a pensão, que inclui a comida, e o resto é destinado ao consumo de cachaça e cerveja. E mesmo assim sou obrigado a recorrer, sistematicamente, a meus amigos-mecenas, o artista plástico já mencionado e um jornalista, também apreciador de meus geniais trocadilhos.

Mesmo sem ler quase nada, no máximo alguns minutos de poesia antiga, uma passada de olhos no velho Guimarães, e escrevendo também com uma parcimônia que beira a inércia total, sinto que me dedico integralmente à literatura. Costumo pensar: estou esperando, acumulando forças para escrever os grandes poemas do século XXI.

Tudo bem, sou um bêbado, um escritor ignorante, fracassado em todos os sentidos, e mesmo assim, ou antes justamente por isso, continuo a acreditar nas possiblidades de êxito que o futuro me reserva.

Enquanto escrevo, observo meu dedão do pé esquerdo, que está sangrando e doendo muito. Pisei num caco de vidro agora pouco, quando voltava da cozinha com uma latinha de cerveja na mão.

Impressionante como o sangue pode ser tão literário...

Bem, já estou cansado. Há meses que não escrevia tanto. Espero que esse texto me traga todo o sucesso que mereço.

A sollydão sem freios de um chevrolet vermelho

meus olhos estão vermelhos
por causa do vento empoeirado
que invade a janela do carro
que dirijo em alta velocidade
pela avenida brasil
fugindo do Rio
e sua burocracia
cosmopolita

meus olhos estão azuis
de felicidade rural
porque eu vou direto
para a cidadezinha
linda que tem em Minas

nem sei ainda pra onde vou
só sei que vou
para cidadezinha linda
que tem em Minas

minha sollydão sem freios
não pára no posto
o chevrolet vermelho
não foi revisado
o caminhão da frente
não me avisou
de sua manobra intempestiva

minhas férias do mundo
tornaram-se vazias
e eternas
como flores de plástico
num cemitério

E o Não vai ganhar... (ou não?)

Sinto-me com dívida comigo mesmo e com a sociedade brasileira (ou pelo menos com os três ou quatro que acompanham meus artigos), por não ter escrito nada sobre o referendo de domingo.

Nos últimos dias, tenho procurado ler artigos sobre o tema, buscando uma visão mais organizada do problema, de forma a sentir-me capaz de produzir argumentos consistentes, que tivessem o poder de mudar percepções.

Também já tive discussões, apaixonadas e serenas, com pessoas que defendem o Não. Tenho amigos que defendem o Não e amigos que defendem o Sim.

O fato é que, dessa vez, não me senti capaz de escrever nada de contundente sobre o tema. O único recado que gostaria de deixar, é que o referendo, independente do resultado, será um excelente ensaio de democracia direta.

Reclama-se dos gastos com o referendo, mas dinheiro gasto com democracia é o melhor investimento que podemos fazer em nosso futuro político.

Deixo claro aqui, que sou a favor do Sim, porque sou contra as armas. Sou contra a defesa armada. Quem tem que proteger o cidadão é a Polícia, a Justiça, o Estado.

Sei que nem sempre essas instituições são os mais confiáveis, mas é o que temos. A luta é para aperfeiçoá-las, e não desprezá-las e tratar de fazer justiça com as próprias mãos.

O referendo mexe com interesses poderosos, preconceitos secularmente enrustidos no espírito brasileiro, influências culturais advindas de tantos filmes americanos, onde a arma de fogo é sempre o elemento estético preferido.

Enquanto isso, a Miriam Leitão recebe prêmio de jornalismo nos EUA, o mesmo prêmio que deram à Carlos Lacerda, aquele fantoche de paladino da democracia que, a todo momento, planejava golpes militares. É claro que dão o prêmio à Miriam Leitão, ela é uma ótima jornalista econômica, além de ter se tornado uma das mais ilustres próceres da direita nacional.

Reinaldo de Azevedo é o sucessor de Olavo de Carvalho na edição de sábado, no Globo. Interessante que o tenham escolhido, não? Domingo, tem a coluna do FHC...

Azevedo parece ter aprendido algumas técnicas de "colunagem marrom" com o Olavo e com o Mainardi. Por exemplo, construir raciocínios baseado em premissas falsas, duvidosas, preconceituosas, sempre usando um tom jocoso, sarcástico, de maneira a não se definir como jornalismo sério e sim como opinião livre e democrática. Assim pode-se escrever merda à vontade, com a eterna desculpa da "opinião livre".

Esse tipo de estratégia dá resultados curiosos: os ingênuos acreditam em tudo que esses colunistas escrevem; os cínicos apreciam o estilo "literário" do texto e dão risadinhas de prazer; os cidadãos honestos ficam confusos com toda aquela salada de "verdades", "mentiras", "piadas" e "denúncias"; os politizados aprovam euforicamente ou têm ataques apopléticos de ódio contra esse tipo de estelionato jornalístico.

Os direitos da comunicação vêm sendo objeto de intenso debate entre estudiosos, cidadãos comuns, jornalistas, autoridades e mesmo escritores. Um dos últimos romances de Saramago fala do poder da mídia nas democracias modernas.

Acho esse tipo de debate muito saudável, e particularmente sou contra essa liberdade "moleque" exercida por uma mídia concentrada e oligárquica. Necessário democratizar a comunicação social no país e criar serviços obrigatórios de Umbudsman dentro das redações, que sejam críticos em relação ao próprio jornal, de forma a manter a respeitabilidade futura da imprensa brasileira.

Azevedo foi apadrinhado pelo Globo, Miriam recebeu seu trofeuzinho. Mais dois cavaleiros do Apocalipse estão prontos para marchar em 2006...

Alfandega 7



O Ale Gabeira, grande amigo meu, está à frente de um novo centro cultural quase em frente ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Sexta-feira agora (21/10) vai rolar o primeiro evento da casa, uma festa a partir das 22:00. É lá ainda que o Gabeira vai reinaugurar, a partir da proxima quinta-feira (27/10), a famosa Rio Jam Session.

O endereço do local é rua da Alfândega 7, centro, Rio de Janeiro. Fica na esquina da Rua Primeiro de Março e Alfandega e, reiterando, quase em frente ao CCBB. Os ingressos saem a R$ 5 (com filipeta) e a cerveja fica por R$ 2.

Estarei lá.

O problema é a falta de saco

Naturalmente, não se trata de ausência efetiva dos acessórios genitais, mas a falta de saco constitui o problema principal da alienação do homem contemporâneo.

AP fora do ar, mas voltará logo

O AP ficou fora do ar hoje, por vacilo nosso. Atrasamos o pagamento. Nada com que se preocupar. Ele volta ao final da tarde ou à noite.

Poesia em São Gonçalo

Ontem eu e o Laurent Gabriel declamamos poemas para uma eclética platéia do Sesc São Gonçalo. O recital está dentro do projeto Noites na Taverna, organizado pelo Rodrigo Santos e Rômulo Narducci, dois poetas são-gonçalenses de nobre estirpe.

Depois fomos a um bar-show em São Gonça, escutamos muito rock'n roll com a banda Láudano, bebemos cerveja, cuba libre e atravessamos a ponte Rio-Niterói com o dia nascendo. Nos acompanhava um americano da Florida, amigo da namorada do Laurent, que ficou deslumbrando com o Daybreak (aurora) sobre a cidade maravilhosa.

No evento, recitei poemas de meu próximo livro, com título provisório "As armas da mente".

Só para lembrar, um destes poemas vai abaixo:

os romances que nunca serão escritos

eles continuam escondidos,
nas sombras ansiosas da noite
ou ofuscados por um sol ácido

os romances que nunca serão escritos
permanecem ocultos sob as feridas
que nunca cicatrizam

mas existem, os romances,
embora marginalizados
pela incompetência do artista

e brincam na memória,
como crianças que não fossem à escola

eles brincam de guerra
e, às vezes, roubam as armas de seus pais,
e matam uns aos outros

os romances que nunca serão escritos
são como putas amargas, envelhecidas,
porque venderam seu tempo e seu amor
em troca de férias pagas no inferno

os romances nunca serão escritos
mas estão vivos, podem ser vistos,
nadando nas ondas do Leme ou
enchendo a cara nos bares da lapa

jogam sinuca durante a semana,
odeiam qualquer tipo de trabalho
estão enjoados de literatura
e sonham apenas com a vida,
o amor e a liberdade

os romances não escritos
são o prelúdio trágico,
luxuoso e natural,
dos suicídios
e dos poemas

(miguel do rosário)

Há palavras suficientes para todos nós

Esse texto foi traduzido pelo Douglas Kim, lá de São Paulo. Foi reproduzido no blog do Bortolotto (link ao lado). Merece vir aqui também, afinal ler o Buk é como tomar uma gelada num dia infernal.

MINHA LOUCURA

Por Charles Bukowski

Existem graus de loucura, e por mais louco que você seja, mais óbvio será para as outras pessoas. A maior parte da minha vida eu escondi minha loucura dentro de mim, mas ela está lá. Por exemplo, algumas pessoas falarão para mim sobre isso ou aquilo e enquanto essas pessoas estão me entediando com suas generalidades banais, eu irei imaginá-las com a cabeça, dele ou dela, descansando sob a guilhotina, ou vou imaginá-las em uma enorme frigideira, fritando, enquanto me olham com seus olhos assustados. Em situações reais como essas, eu provavelmente tentaria um resgate, mas enquanto elas estão falando comigo eu não consigo imaginar isso. Ou, com um humor melhor, eu poderia imaginá-las andando de bicicleta longe de mim. Eu simplesmente tenho problemas com seres humanos. Animais, eu amo. Eles não mentem e raramente tentam atacá-lo. Às vezes eles são espertos, mas isso é permitido. Por quê?

A maioria da minha juventude e vida adulta foi em quartos minúsculos, confortável, olhando as paredes, as sombras rasgadas, as maçanetas dos armários. Eu sabia da fêmea e a desejava, mas eu não queria tentar atravessar as dificuldades para consegui-la. Eu sabia do dinheiro, mas de novo, como com a fêmea, eu não queria fazer as coisas necessárias para consegui-lo. Tudo o que eu queria era suficiente para um quarto e para algo para beber. Eu bebia sozinho, geralmente na cama, com todas as persianas fechadas. Às vezes eu ia aos bares checar os tipos, mas os tipos eram os mesmos – não muito e freqüentemente menos do que aquilo.

Em todas as cidades, eu conferi as bibliotecas. Livro depois de livro. Poucos livros disseram algo para mim. Eles eram, na maioria, poeira na minha boca, areia no meu pensamento. Nenhum se relacionava comigo ou com o que sentia: onde estava - nenhum lugar - o que tinha – nada – e o que queria – nada. Os livros do século somente eram feitos do mistério de ter um nome, um corpo, andando, falando, fazendo coisas. Ninguém parecia preso com a minha loucura particular.

Em alguns dos bares eu fiquei violento, havia brigas nos becos, a maioria perdi. Mas eu não estava brigando com ninguém em particular, eu não estava bravo, eu só não entendia as pessoas, o que elas eram, o que faziam, como elas pareciam. Eu ia preso e saía, era despejado dos quartos. Dormia em bancos de praça, em cemitérios. Eu estava confuso, mas não era infeliz. Não era depravado. Só não conseguia entender nada do que existia. Minha violência era contra a óbvia armadilha, eu estava gritando e eles não entendiam. E mesmo nas brigas mais violentas eu olhava para o meu oponente e pensava, por que ele está bravo? Ele quer me matar. Aí eu tinha que socar para tirar a besta de mim. As pessoas não têm senso de humor, elas são tão sérias a respeito de si mesmas.

Em algum lugar, e eu não tenho idéia de onde vem, eu pensava, talvez eu devesse ser um escritor. Talvez eu possa escrever as palavras que eu não li, talvez fazendo isso eu consiga tirar o tigre das minhas costas. E assim comecei e décadas passaram sem muita sorte. Agora, eu era um escritor louco. Mais quartos, mais cidades. Eu afundei e afundei. Congelando uma vez em Atlanta em uma barraca de papelão, vivendo com um dólar e vinte cinco cents a semana. Sem encanamento, sem luz, sem aquecimento. Congelando com minha camisa californiana. Uma manhã eu achei um pedaço de lápis e comecei a escrever poemas nas margens de velhos jornais no chão.

Finalmente, aos 40, meu primeiro livro foi lançado, um pequeno livro de poemas, ‘Flower, Fist and Bestial Wail’. O pacote de livros chegou pelo correio e eu o abri e aqui estavam os livrinhos. Eles se esparramaram na calçada, todos os livrinhos, e eu me ajoelhei sobre eles, estava de joelhos, e peguei um ‘Flower Fist’ e beijei. Isso foi há trinta anos atrás.

Ainda escrevo. Nos primeiros quatro meses deste ano eu escrevi 250 poemas. Eu ainda sinto a loucura me atravessar, mas ainda não tenho a palavra do jeito que a quero, o tigre ainda está nas minhas costas. Eu vou morrer com aquele filho da puta nas minhas costas, mas eu lutei. E se há alguém louco o suficiente para querer ser um escritor, eu diria para continuar, cuspir no olho do sol, acertar o principal, é a melhor loucura, os séculos precisam de ajuda, os tipos gritam por luz e apostam na alegria. Dê isso a eles. Há palavras suficientes para todos nós.

Entrevista com Cristiane Costa, editora do Portal Literal

Um leitor deste blog, Dudu Oliva, também blogueiro e contador de histórias, enviou-me mensagem pertinente. Disse que fez uma excelente entrevista com "Cristiane Costa, Doutora em Cultura e Comunicação pela UFRJ, editora da revista Nossa História e do Portal Literal (www.portalliteral.com.br), além de professora universitária. É autora de Eu compro essa mulher: romance e consumo nas telenovelas brasileiras e mexicanas (Jorge Zahar Editor, 2000), entre outros livros. Vale a pena conferir também o site que divulga a pesquisa sobra os jornalistas escritores ww.penadealuguel.com.br".

Estou divulgando a entrevista do Dudu porque tem a ver com que a gente vem discutindo aqui nesse blog. Além disso, cita Dorigatti, meu comparsa nas aventuras pelo jornalismo cultural.

Dudu Oliva-Você é editora do site Portal Literal, um dos mais respeitáveis e completos na cobertura de eventos literários e culturais. A consolidação da INTERNET, a proliferação de blogs e sites literários estão ajudando a impulsionar o jornalismo cultural?

R: Sim, principalmente quando conseguem usar todo o potencial narrativo da internet para produzir um conteúdo inovador. Mas isso exige um mínimo de conhecimento de informática, pesquisa de linguagem específica e até infra-estrutura técnica. O jornalismo cultural na internet não deve ser uma cópia do impresso, com suas eternas resenhas e entrevistas, mas explorar toda a possibilidade do hipertexto. No caso do Portal Literal, produzido pela Conspiração Filmes, com o patrocínio da Petrobras, essa pesquisa de linguagem tem sido possível graças a um razoável investimento financeiro, o que permitiu que atingisse alto nível de profissionalização e contratação de mão-de-obra especializada. Usamos muitos links para ilustrar nossos textos e agora estamos investindo na TV e na rádio on-line.
No caso dos blogs, eles geraram uma rede, em que os próprios criadores divulgam sua produção, entrando em contato com outros produtores e diretamente com os leitores. Assim, os autores não ficam mais a reboque dos suplementos literários tradicionais. Muitos são descobertos por editoras e convidados para publicar seus livros em papel por meio de seus blogs.

2- Existe ainda um preconceito esse novo meio de comunicação (INTERNET) à divulgação de informação ou cultura?
R: Não vejo isso não. Há muita curiosidade.

3- Os sites literários e culturais, inclusive o Portal têm mais autonomia quando vão divulgar algum evento ou criticar, comparado com o jornal ou revistas impressas?

R: Trabalhei durante 20 anos em jornal, os cinco últimos editando o Caderno Idéias, do Jornal do Brasil, e tinha total autonomia. O problema não é a orientação do jornal. Mas a forma como tradicionalmente é feito, que não é muito dada a inovações. Por mais que queira inovar, você acaba fazendo tudo igual ao que o suplemento já fez no passado e ao que os outros jornais fazem.

4- A equipe do Portal é eclética?

R:A curadora é Heloisa Buarque de Hollanda, professora da Eco-UFRJ e uma das críticas de cultura mais antenadas do país. Eu sou jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, e fui aluna dela. O repórter é o Bruno Dorigatti, jornalista e estudante de História. Pertencemos a gerações e temos formações ligeiramente diferentes, mas temos muita coisa em comum.

5- Você escreveu um livro Pena de aluguel e até tem um site para divulgação (www.penadealuguel.com.br). Você estudou os escritores jornalistas de cada geração. Os problemas existenciais e materias desse grupo mudaram ou continuam a afligir a geração de agora?

R: O que mais me intrigou, ao refazer uma pesquisa que João do Rio fez com os escritores brasileiros cem anos depois, foi encontrar os mesmos problemas. E, ao quantificar os resultados, ver que as respostas não diferiam muito da enquete dele para a minha. Basicamente o problema é que você não tem como se manter financeiramente no Brasil se resolver ser só escritor. E, se vender seu tempo para o jornal, pode se distanciar muito da literatura.

6-Na sua opinião, a Internet como pode ajudar esse grupo
"escritor-jornalista pós-moderno"?


R: Não muda nada, não. O escritor que é jornalista em geral não se ressente de falta de visibilidade, mas de falta de tempo para escrever.

Desvirulentas carnesudas


soube-soubmicesse o que haveria desgolatesse lá?
juguntinha falar aprimeiramente, como cão-cães
esberguentina ilhuda folhando vermifungos
azuis paladinos céus, protelajam os furacões
que violenta-mentes e sei que mentes-joula
meninasnuas nos beijoviram inertes
alucilindas em sonhos-vinho de papoula

Outro petardo

O Guilherme é um antigo amigo e colaborador do AP. Foi um dos primeiros poetas que conheci. É compositor, professor de violão, educador e grande poeta. Segue um petardo dele.

as hipóteses da dor e do som

Os demônios escarlates e púberes do escárnio sem pudor e desvario, os demônios que embaraçam teus cabelos e atam de cobre seus cachos e te querem raízes na lama penhasco traíra que te chama por escândalos e disciplina e gritam por luxúria descoberta ofensa sem metáfora de vossa senhora aparecida na carne entre o amor e o dever e a orgia senzala sem altar separada do corpo e a cabeça também esquartejada de vossa senhora do arregaço na cruz esquerda da sombra de judas que ressurge rei de suas posses devassa coroa do ânus de vossa senhora dos machos cabrios réquiem de quem ama deus com medo.

guilherme lessa

Beatniks da Guanabara

Conheci o poeta Edu Planchez através do poeta Brasil Barreto, este último famoso entre as rodas marginais da poesia carioca. Planchez andou exilado do Rio por muitos anos. Teve lá seus problemas. Agora está de volta, com força total. Montou a banda Blake Rimbaud que, segundo ele, divulga a poesia na bonita moldura da música. Quando íamos juntos, de van, para a festa de encerramento do Festival de Cinema, ele recitou um poema que me comoveu. Ainda vou publicá-lo por aqui. Por enquanto, vai uma amostra do trabalho dele. Vale dizer que Planchez é um legítimo representante da poesia bandida carioca, que tantos nobres representantes possui, como o falecido Sá Amaral, os vivos Silvio Barros, Brasil Barreto, Guilherme Zarvos, Laurent Gabriel e tantos outros.


2 poemas de Edu Planchez

Múltiplos circos se erguem da terra dos que atravessam as planícies com as formigas
(ao Zeca Silveira)


Multiplos ventres em imagens terceira dimensão
se alternam ensopando o dia das alegres primaveras
E aquele que ainda não vê, passa despercebido,
não abraça a papoula
de nossas extraordinárias cabeças,
não diz ao tempo
das pulsações o motivo de aqui estar,
nem brinca de flor-de-vênus com os duendes das canções

Múltiplos circos se erguem da terra
dos que atravessam as planícies com as formigas


**

Reviro mais uma vez as fedorentas ruas da Lapa
mas é nesse fedor que moro, mora a vida, mora a morte,
mora as nevoentas possibilidade do dizer

No país do sono o sol não precisa chegar
porque a lua carioca na sela da égua boêmia reacende as águas da Gamboa para os iguais a mim trovejarem
na eternidade da cerveja
Se a história é um carro alegre quero me alegrar

O sono rosado sabe o que homem deseja
Assim ele (o sono) segue despejando o preparado feito de canela e queijo francês sobre os barcos
das intenções ocultas no mistério do libido da lua

A Lapa exibe o sábado em seus telhados
e eu ainda continuo sonolento,
com vontade de ver o filme Brazil dos malucos do Monty Python

Eu, o eterno experimento devo voltar para a cama,
completar o ciclo, esbarrar nos corais dos signos, reler Jung
Esbarro na solda do noticiário da progressiva tarde urbana
A quentura dos elétrons inunda esse cômodo que chamo de sala
Eu, o cara devorador de informações e créditos afetivos,
despejo o que deveria despejar no rasgo das mulheres
no rasgo do idioma


Edu Planchez

Blogueiro sim, com muito orgulho

Não é apenas pelo fato de 99% de meus leitores serem internautas. Nem por ter leitores em todo mundo, EUA, Inglaterra, Suíça, Mato Grosso, Brasília, São Paulo. Sou blogueiro com orgulho porque acredito de verdade no futuro da internet e particularmente do blog como veículo literário, poético, político, filosófico e jornalístico. Quem alega que "ah, mas poucas pessoas no país tem computador, internet, etc" esquece que o número de compradores de ficção contemporânea é menor ainda, e muito mais concentrado em determinadas livrarias da capital. Quer dizer, o pouco de público que a literatura contemporânea possui é consequência da divulgação web, visto que a maioria desses jovens escritores que estão tendo um pouco mais de visibilidade começaram suas carreiras publicando em sites e blogs. Joca Terron, João Paulo Cuenca, João Filho, todos esses estrearam com livros que foram antes publicados em seus próprios blogs.

Terron, em recentes entrevistas, reafirma sua fé no blog enquanto instrumento de divulgação literária. Eu também acredito.

Em relação a um possível rendimento que o blog possa dar ao escritor, isso o tempo vai dizer. Tem que correr atrás também. Uma das minhas idéias loucas é a criação de um pool de blogs de escritores, de maneira a captar anúncio de grandes empresas, como Petrobrás, Telemar, Casas Bahia, etc.

Enquanto isso, não acontece, vamos tocando os blogs com nossa paixão pela literatura enquanto fenômeno de comunicação. A meus poucos mas nobres leitores, um carinhoso agradecimento pelas visitas.

Por fim, anuncio aqui um sorteio. Todos que comentarem nesse post estarão concorrendo para receber, via correio, o livro "Contos para Ler no Botequim". Basta postar um comentário, seguido do endereço com CEP.

Joyce revisitado


Tenho um livrinho com a biografia do James Joyce, que traz informações divertidas sobre o famoso irlandês. Aos vinte anos, uma figura de sobretudo surrado, olhar desafiador, cigarro no canto da boca, aparecia a porta dos teatros alternativos de uma Dublin efervescente, miserável, brilhante, agitada, religiosa e profana.

- Eu sou James Joyce, dizia e entrava de graça, já que se tratava de figurinha conhecida dos meios artisticos, vagabundo notório, sempre duro e sempre interessado em todo o tipo de arte: teatro, plásticas, poesia, romances.

O livro Retrato de um Artista Quando Jovem, primeiro romance de Joyce, é considerado um dos mais importantes livros de formação. Misturando ficção à realidade, Joyce exorcisa seu passado, sua família, religão, política. As discussões políticas do livro são memoráveis. Lembro de um trecho em que os membros da família de Joyce discutem política e religião durante um almoço. Uma senhora carola assiste à reunião incomodada com o tema. A mãe tenta evitar a todo custo que se discuta política à mesa. Alguns prelados católicos importantes mostravam-se dispostos a aderir à causa unionista, ou seja, à renúncia da luta pela independência política da Irlanda. Uma luta que durou milhares de anos e que custou tantas vidas aos irlandeses. Joyce não pôde se furtar a sofrer as consequências dessa luta, que empobrecia as famílias não ligadas à nova burguesia anglófila.

Joyce aprendeu a odiar a política, provavelmente porque observou que todos os lados tinham seus canalhas e seus interesses escusos.

Voltando à discussão à mesa, um dos tios de Joyce dá um soco na mesa e grita:

- Se a Igreja não ficar ao lado da Irlanda, então dane-se a Igreja.

O pai de Joyce aprova emocionado a frase. A carola se levanta, indignada e sai da casa. O pai e o tio de Joyce caem no choro, emocionados pelo espírito patriótico.

Os Dublinenses, primeiro livro de Joyce, traz contos escritos com precisão clássica. Retrato do Artista já contém alguns dos elementos perturbadores que irão caracterizar Ulisses, talvez aí com certo excesso. Excesso sim, mas muito bem calculado para produzir um acontecimento artístico e representar um golpe profundo no convencionalismo.

Escrevo esse texto para realizar o blog-diálogo com o Tiago Muzulon, que está em Londres, mergulhando no universo joyciano, no original e ao vivo.

Lapa ontem e sempre

A Lapa continua crescendo. Bares são inagurados toda semana, cada vez mais sofisticados, sem aquela decoração brega e burguesa dos bares de Ipanema ou Barra. Os empresários que estão investindo nessa parte da cidade entenderam que é preciso seguir a estética local. Cultiva-se o antigo, o decadente, sem os banheiros sujos de outrora. Na esquina da Lavradio com a Mem de Sá, havia um bar chamado Sete Portas, que era o pé sujo mais mal-afamado da região, frequentado por travestis, traficantes, ladrões e malandros de toda espécie. Às vezes, a gente acabava por lá, quando todos os outros bares haviam fechado.

Hoje, esse bar foi todo reformado, está com aparelho de ar-condicionado, paredes de vidro.

Na Mem de Sá abriram várias casas de show muito boas, algumas já tem um par de anos, como o Carioca da Gema, o Sacrilégio. Outras são recém-nascidas, como a Estrela da Lapa, o Cariolapa. Na Lavradio, há o famoso Rio Scenarium, agora com três andares e diversos ambientes, todo decorado com antiguidades, estátuas, pinturas e objetos de arte. Entrar no toalete do Rio Scenarium é como passear numa galeria de arte, além de ser mais cheiroso e limpo que minha sala.

Essa é a nova Lapa. Nos ultimos anos, não tenho aproveitado quase nada, pela falta de grana. Meu point tem sido um botequim sujo, ainda frequentado por travestis, na esquina da Riachuelo com a Lavradio, onde a garrafa de Antartica custa 2 reais. Tem sido tempos difíceis. Um ano dormindo no chão, seis meses com óculos colado com durex. Com o novo emprego que arrumei, porém, espero aproveitar melhor minha Lapa querida.

Não fico triste com a evolução da Lapa. É melhor assim. A quantidade de empregos gerada na região tem sido imensa. Só de ambulantes vendendo cerveja, cachorro quente, refrigerante, caipirinha, são milhares. E a Lapa é democrática. O coração popular dela continua sendo a Joaquim Silva, que foi onde a Lapa renasceu.

Tive oportunidade de ser testemunha da história da Lapa nos últimos 10 anos. A Lapa andava esquecida, frequentada apenas pelos locais, travestis e malandros. Por volta de 1998, fui conhecer os artistas plásticos do Casarão, ali perto da rua Taylor. Conversamos e fomos tomar uma cerveja na Joaquim Silva. Era uma segunda-feira, e começava a acontecer ali uma roda de samba, em frente ao bar de Seu Cláudio. Vários músicos hoje famosos, como o Gallotti, participavam dessa roda.

E assim a Lapa foi se expandindo por toda a Joaquim Silva. No meu conto "O Evangelho Segundo um Vendedor", eu retrato o apogeu da Joaquim Silva, quando havia cinco ou seis pontos de música diferentes na rua.

Entretanto, mesmo com todo esse desenvolvimento, a Lapa continua a mesma. Por ser um lugar totalmente democrático, assassinos, traficantes e ladrões também frequentam o local. É muito raro haver assalto por essas bandas, mas um acerto de contas é comum. Por ser um ponto de encontro, muitas vezes inimigos mortais se encontram por ali e vão as vias de fato. Acho que foi isso que aconteceu ontem à noite.

Estava eu muito bem, em pé, tomando minha cerveja e esperando aparecer alguém conhecido para conversar fiado, quando vejo um cara na rua ser baleado. Tudo muito rápido. O assassino fugiu correndo subindo a Ladeira de Santa Teresa, que sobe em caracol por trás dos Arcos. Por um impulso louco quase fui atrás do assassino, mas um conhecido segurou-me pelo braço e me trouxe de volta à realidade:

- Tá louco, meu? Deixa o cara fugir. Isso é problema da polícia.

Isso que é indigestão


Estou quebrando a cabeça para melhorar um pouco os índices de visitação desse blog. Acabei achando uma fotografia que pode ajudar. Foi tirada nos pântanos da Flórida por dois caçadores atônitos. Demorei um pouco para entender o que era, então facilito as coisas para vocês.

Trata de uma cobra gigante (phyton) que tentou engolir um crocodilo gigante (alligator). No meio da digestão, o crocodilo, ainda vivo e inteiro no estômago da cobra, começou a agitar-se e rompeu o couro da cobra. A foto mostra a cena. A cauda do crocodilo saindo do meio da cobra. Os dois animais morreram. O crocodilo morreu provavelmente sufocado e intoxicado pelos sucos gástricos da cobra, que por sua vez, também morreu com a explosão de seu estômago. Vale a lição. Não tente devorar um crocodilo sem mastigar bem antes.

Aproveito ainda para sugerir dois blogueiros que estão postando com intensidade total: Tiago Muzulon e Jorge Ferreira. Os dois estão linkados aí ao lado. Ah, a foto foi roubada do blog do Paulo Bicarato, que também linkei aí ao lado.

Curupira consagra o curta no Festival do Rio

Curupira, de Fábio Mendonça e Guilherme Ramalho, produzido pela Trattoria Filmes, é mais que um curta-metragem. É cinema. É história. É suspense. É Brasil. É divertido, assusta, ensina, alegre, faz sonhar. Não vou nem contar o enredo para não estragar a surpresa. Fica a sugestão. Corram atrás desse filme. Vale a pena. Também tô querendo ver o curta Balaio, que dizem que é muito bom, além da participação especialíssima do Bortolotto.

soneto

eis que o vazio é explosão invertida
o mundo em seus pilares de cobiça
nos serve manjares de carniça
e bloqueia a porta de saída

eis que a puta está perdida
diante do homem da polícia
sem dinheiro e sem malícia
a puta é a freira mal comida

solte os cães e vá à luta
você também é uma puta
o mundo é seu cafetão

o vazio está na mesa
na rotina e na despesa
desse leite, desse pão

Fim da festa, prêmios e poetas espancados

O Festival de Cinema do Rio terminou com a exibição do filme Jardineiro Fiel, de Fernando Meirelles, super-produção holliwoodiana de 50 milhões de dólares. Filme em formato convencional, não traz nada de novo em termos de linguagem, e mesmo assim é um grande filme, dirigido com a competência insuperável de Meirelles e que aborda um tema de caráter fortemente político.

Trata-se de um thriller basedo em romance de John Le Carré, no qual um fabricante de remédios suborna governos e diplomatas para realizar experiências com cobaias humanas na África.

O mergulho do filme na realidade miserável da África nos remete a Cidade de Deus, primeiro longa de Meirelles, e nos faz lembrar como esse continente precisa desesperadamente de ajuda, ao mesmo tempo em que a própria ajuda à África já se tornou uma indústria e um mal.

O filme foi exibido na quinta-feira. Ontem, sexta, foi a premiação dos filmes brasileiros, no Odeon. Beto Brant ganhou o prêmio de melhor diretor e Cinema, aspirinas e urubus, o de melhor filme. O melhor curta de ficção foi Curupira, que não assisti mas que pelo rápido trailer exibido, me parece muito bom. O documentário Do Luto à Luta, também recebeu um importante prêmio, que incluiu R$ 100 mil em divulgação da Globo.

Recebemos convites para a festa de encerramento, na Tenda de Copacabana, e fomos pra lá na van oferecida pelo Festival. Bebida liberada, salgadinhos, coisa fina.

Mas os seguranças eram uns ignorantes. Fiquei conversando com dois amigos, o Juliano Guilherme e o Nilton Pinho, que estavam junto à entrada e não tinham convite. Certa hora, saí rapidamente para conversar com eles do lado de fora, num gesto de solidariedade. Enfim, apareceu uma amiga e eles conseguiram convites e entraram. Eu não. Eu, que já estava na festa, minha mulher estava na festa, meus amigos entraram, e os seguranças não deixaram eu voltar pra festa!

Foi a coisa mais absurda. Revoltei-me. Acabei tentando entrar à força e fui retirado com violência. Aí o Juliano saiu e fomos tomar uma cerveja num quiosque ali perto. Depois voltamos e tentei conversar com a equipe de segurança. Um deles começou a dizer gracinhas desrespeitosas. O sangue me subiu à cabeça e despejei a latinha e o copo de cerveja em cima dele. O Juliano me puxou rapidamente, prevendo um desfecho perigoso, e me arrastou para outro quiosque. Então eles vieram, o segurança piadista que tomou o banho de cerveja e mais uns dois ou três negões de duzentos quilos e dois metros de altura. Um deles se aproximou, deu-me um soco no estômago, derrubou-me e me chutou. Aí eu me levantei e comecei a berrar pela polícia. O negócio esfriou e eles voltaram para o trabalho deles.

Por sorte, não me machuquei. Tenho o corpo meio fechado, eu acho. Só estou sentindo uma dorzinha na barriga. Caso seja uma hemorragia interna e este for meu derradeiro post, adeus amigos, inimigos, curiosos. Amo todos vocês. Me desculpem por às vezes ter sido arrogante, tentando impor minhas idéias como verdades absolutas. Não acho que existam verdades absolutas, nem soluções definitivas para coisa nenhuma nessa vida. Existe um caminho à nossa frente e a gente é obrigado a seguir por ele, por bem ou por mal. Tem gente que prefere deitar-se à margem, ou parar num botequim na beira da estrada, mas cedo ou tarde, temos que voltar a caminhar.

Eu voto sim...

... pelo desarmamento. Sei que não é a solução final da humanidade. Mas qualquer coisa que se faça contra as guerras, contras as armas, sou a favor. Respeito quem é contra, mas sou a favor por absoluta convicção de que se trata de um importante passo para um mundo sem bala. No longo prazo, verão como a lei foi importante.

Bons filmes e a doença dos batedores de palma

Eis que la nave se va. O Festival termina amanhã, eu continuo o mesmo de sempre. Tímido como um rato doente antes da terceira latinha, depois um monstruoso e trôpego orador, mistura de collor trincadão, marcelo d2 chapado e renata sorrah de porre. O dia que eu me tornar Regina Duarte, saberei que é meu fim. Mas estou exagerando, como sempre.

Cientificamente falando, sou assim: antes da primeira cerveja, caladão, sombrio, com um sorriso mal ajambrado. Da segunda até a quarta latinha, chego no apogeu, mesclando simpatia, bom humor e um ou outro papo cabeça. Da quinta até a décima, começo a ficar mais filosófico, o que já é um sinal de decadência. Faço elocubrações complexas que sempre esqueço no dia seguinte. Da décima até a décima quinta cerveja, me torno político, aí sai de baixo. Nem eu me aguento. Mas dura pouco, porque a essa altura já estou bebendo bem rápido e logo chego na décima sexta latinha (estou contando em latinhas, em garrafas a proporção é outra, naturalmente - basta dividir por dois). A partir da décima sexta, viro piadista e provocador. Essa é a pior fase, a mais insuportável, a faceta da minha personalidade que não faria falta nenhuma a minha biografia. Fico implicando com qualquer um, às vezes discuto, arrumo brigas. Saravá!

Fim da festa. Amanhã é a premiação, concorrendo Crime Delicado, do Beto Brant; Cinema, aspirinas e urubus, do Marcelo Gomes; e Cidade Baixa, de Sérgio Machado.

Não assisti Cidade Baixa, que está sendo o mais cotado para o prêmio. Seja qual for o vencedor, porém, vale dizer que o cinema brasileiro continua pujante, inovando, ousando e mostrando mais e mais a cara do país. Uma certa linha vem se impondo a todos os novos cineastas: o humanismo na tela, a valorização do povo. Acabou-se a era classe média no cinema brasileiro, graças a Deus. Os cineastas descobriram o povo como fonte inesgotável de histórias, estéticas, paixões e crimes.


O filme de Marcelo Gomes, Cinemas, aspirinas e urubus, coloca o homem em primeiro plano. Através do personagem do alemão que vem ao Brasil vender aspirinas, faz-se o contraste com o nordestino que o acompanha em sua viagem pelo sertão. É um personagem muito peculiar. Há uma cena genial em que o nordestino protesta contra a mania do alemão de dar carona a todo mundo na estrada. "Se você ficar pegando todo povo que pede carona, a gente vai chegar no Rio é só no ano que vem", diz ele. O alemão responde: "mas você também não é do povo?". Ele faz um gesto com a mão ondulando, tipo "mais ou menos", com aquela expressão azeda no rosto. Todo mundo ri, é engraçado, mas é um diálogo profundo. Há brasileiros que se identificam com o povo e há brasileiros que não. Todos os diálogos do filme são precisos. A luz do filme é rigorosamente calculada para provocar efeito estético de acordo com a cena, de maneira que há uma espécie de trilha "luminosa" no filme, assim como há uma trilha "sonora". A história se passa durante a II Guerra, o que permite ao diretor a criação de diversas metáforas interessantes, comparando a fuga do alemão de um país em guerra e a fuga do nordestino de uma terra devastada pela seca e pela miséria.

Minha assessora, cinéfila passional, e que tem umas sacações bem interessantes, comparou Marcelo Gomes a um Fellini do sertão.

Agora, o filme do Lírio Ferreira, Árido Movie, foi decepcionante. Tudo bem, a expectativa era muita, criou-se todo um misticismo em torno do novo cinema pernambucano e tal, mas a verdade é que o filme, apesar de não deixar de ser um bom filme, com uma história muito original, ficou muito aquém do talento que Lírio provou ter em Baile Perfumado. Não deixa de ser um filme importante e uma experiência estética valorosa para a história do cinema nacional. Vale ressaltar ainda que o filme ganhou concurso público e foi produzido com baixo orçamento. Ferreira, no dia da estréia, fez um bonito discurso em defesa da nova safra do cinema nacional e da lei de baixo orçamento. Chamou de mané alguém que escreveu contra a lei do baixo orçamento dizendo que estava levando à deterioração da qualidade do cinema brasileiro. "O que você chama de baixar a qualidade, eu chamo de democratização do cinema brasileiro", falou Lírio, emocionado, gesticulando pra todos os lados.

Enfim, é um filme que faço questão de ver diversas vezes. Aliás, já estou quase mudando de opinião e achando que é um excelente filme. Como eu disse em post anterior, é um filme estranho, que dificulta um julgamento estético apressado. Lembro do Hendrix, que, ao fim de sua primeira apresentação ao vivo num pub de Londres, ficou diante de um público embasbacado, sem saber se batia palmas, vaiava ou ficava quieto.

A verdade é que essa cultura de bater palma já virou uma grande babaquice. Tenho uma puta raiva disso. Sem querer parecer arrogante, essa mania de bater palma é a coisa mais plebéia que existe. Quando vou ao Teatro Municipal assistir a um espetáculo de música clássica, e vou sempre em dias de preços populares e logo com lotação total, sinto a angústia dos músicos diante da ameaça velada da palma. Música clássica é cheia de pausas, às vezes longas pausas, e é duro o público segurar a ânsia de bater palma nesses momentos. No Festival, aconteceu isso. No meio do filme do Marcelo Gomes, aparece FIM na tela, mas era o fim do filme dentro do filme, quer dizer, da projeção que o personagem principal, o alemão, exibia nos povoados onde passava. Não deu outra: um grupo logo desatou a bater palmas, furiosamente, até o momento em que a cena seguinte deixou claro o que já era óbvio: o filme não tinha acabado.

Vou ficando por aqui. Aviso aos navegantes que o meu livro, Contos para Ler no Botequim, já está se esgotando. Quem quiser adquirir um exemplar, não deixe para amanhã.

Muita história pra contar

Prezados, estou com tantas histórias pra contar que não sei por onde começar. Ontem foi o lançamento do filme do Lírio Ferreira, Árido Movie. Lírio, como vocês sabem, consagrou-se com o filme Baile Perfume. Há quase dez anos que ele não lançava nenhum filme.

A recepção ao filme não foi tão unânime e calorosa como ao filme de Marcelo Gomes, Cinema, Aspirinas e Urubus. O filme de Lírio é estranho, não é tão redondo como o Baile Perfumado, assim como o Crime Delicado, do Beto, também rompe com certa linearidade estética que há em seus primeiros filmes.

Árido Movie é um filme bizantinamente original. O roteiro doido do próprio Lírio soube juntar os playboys maconheiros de Recife, um executivo sério de São Paulo, matadores do nordeste, um profeta do sertão, uma jornalista ativista e uma linda índia que todos querem comer.

Vale ressaltar o trabalho do Selton Melo, sobretudo de sua imensa barriga, que possui valor estético próprio.

Outro ponto importante do filme é que ele é um tapa na cara dos moralistas e da política anti-drogas do Brasil. Todo mundo fuma maconha no filme. Se Fernando Meirelles deu o pontapé inicial no uso da maconha no cinema, Lírio chega às raias da pura provocação ao mostrar Selton Melo ensinando como apertar um baseado. Daí se seguem dezenas de cenas de maconha, discussões sobre maconha, defesa do uso da maconha, e a interessante sugestão (no fundo, já secretamente seguida) do Brasil exportar maconha para a Europa.

O filme tem algumas cenas que parecem desnecessárias, a há excesso de atores famosos, o que gera uma certa confusão. A aparição de Pereio, embora importante para o enredo, não é plenamente aproveitada. O Matheus Nathersgale também está sobrando num papel secundário.

Bom, chega de crítica e vamos aos bastidores.

Terminado o filme, ficou aquele zumzumzum na porta do Odeon. Daí que, aos poucos, os grupos foram migrando para a Alvaro Alvim, ruazinha centenária, de pedra, atrás do Odeon, onde funciona hoje uma excelente casa de show, o Teatro Rival, e meia dúzia de ótimos bares. Todos foram pra lá. Da turma dos diretores, estavam Lírio Ferreira, Marcelo Gomes, Paulo Caldas, Beto Brant. Muitos atores, produtores, e um escritor bêbado, que era eu. Ah, havia a escritora Antonia Pellegrino, a quem fui apresentado. Sem contar com minha linda assessora.

Já conhecido pela turma, tive ótimos papos com Beto Brant, que revelou estar por dentro da nova literatura brasileira. Disse que está fazendo um longa baseado no romance do Daniel Galera, Até o dia em que o cão morreu, e me informou que vai ler meu livro de contos. Quem sabe um dia chega minha hora?

Foi tudo muito legal, cerveja, cachaça, conheci muita gente nova e tal. No fim, acabei ficando daquele jeito do qual sempre me arrependo no dia seguinte: bêbado chato. Estava gritando com todo mundo, berrando as gracinhas mais escrotas, não deixando ninguém falar. Sei lá, acho que viro uma espécie de monstro. No final, ainda mandei o Beto Brant tomar no cú, tudo na base da brincadeira, coisas de bêbado. Essa perfomance bizarra azedou um pouco uma ressaca que prometia ser cheia de boas lembranças.

Um filme que faz pensar

Acabei de assistir Caché, na sessão de meia-noite do Odeon. Tremendo suspense, com final um pouco decepcionante, sem deixar de ser surpreendente. Poderosa metáfora da indiferença do primeiro mundo em relação à humilhação diária vivida por cidadãos de países historicamente atrasados e colonizados.

Marcelo Gomes e o humanismo no cinema

- Humanista, humanista - repete um Beto Brant ainda atordoado com o filme Cinema, aspirinas e urubus.

Estamos do lado de fora do Odeon, o filme de Marcelo Gomes terminou há segundos. Eu havia perguntado a um Beto Brant que passara por mim, expressão aérea, sonhadora, se gostara do filme.

Gomes compôs um clássico. Fotografia, música, diálogos e roteiro, harmonizados com grande sensibilidade poética e humanista.

Filme tocante e profundo, metáfora poderosa e universal do homem, a guerra, a amizade, a miséria.

Depois da exibição, houve festa no Bola Preta, tradicional casa de show na Cinelândia, onde o diretor e seus amigos dançaram e beberam a noite inteira, comemorando o sucesso absoluto do filme. Lírio Ferreira, diretor do consagrado Baile Perfumado e que na próxima terça lança Árido Movie, não parava de abraçar e beijar Marcelo Gomes, seu conterrâneo de Recife, sussurrando em seu ouvido, provavelmente coisas do tipo:

- o filme é do caralho, meu velho. é foda, é foda.

Vale mencionar ainda o curta Entre paredes, que antecede o filme. Inexplicavelmente, houve algumas vaias, e depois, alguns comentários críticos sobre o final óbvio. Mas eu gostei. Filme bonito, poético, sensual.

Sugestões

A editora e escritora Priscila Miranda, apesar de jovem, 24 anos, já é contista de primeira grandeza. Ver trecho do conto dela publicado em seu blog Rose Red.

A literatura escorria-me como sangue que no corpo circula deixando-me viva. Na sala violinos explodiam das pequeninas caixas. O dia fingia-se cinza com a chuva passageira e decidida. Estava sendo acolhedor e próspero a fantasia da nublada cor do céu com os passarinhos cantando enquanto os enlouquecidos violinos, agora lânguidos, ajudavam-me com minhas veias, agora murchas. Principalmente a do pescoço, a que estava mais inchada.

Abaixo, trecho do artigo de João Filho, publicado em seu blog (link ao lado).

"Todo poeta brasileiro maldisfarça seu ego inflado e crê que a nascença-estupro do Brasil e sua alta voltagem de miscigenação é um atraso e que seus poemas nada possuem e nem devem possuir nada dessa nascença-estupro

Todo poeta brasileiro se crê mito e desmito e fruto da miscigenação violentíssima da terra em que foi gerado e que seus poemas são o panorama mosaico hiper-identificados desse estupro-nascença

Todo poeta brasileiro fela-se em grupo para se autopreservarem
Todo poeta brasileiro crê-se detentor de uma singular individualidade só compátivel com individualidades singulares do passado

Todo poeta brasileiro crê que as suas são as mais radicais verdades, imbuído de pseudocontundência metralha todo poeta brasileiro "

Nos bastidores do Festival

Finalmente, um filme de tirar o fôlego. Depois de Os Matadores, Ação entre Amigos, O Invasor, Beto Brant brinda o público com mais um petardo original, divertido e surpreendente, Crime Delicado. Na estréia no Odeon, ontem à noite, até os corredores estavam ocupados por um público ansioso pelo novo filme do diretor. Do lado de fora, dezenas de cinéfilos impedidos de entrar vagavam, perto das portas, desesperados, como criminosos rondando a mansão de um milionário.

O roteiro do filme, adaptado do romance de Sergio Santa'nna por Marçal Aquino e outros, é o seguinte: crítico de arte se envolve com mulher sem uma perna que trabalha, como modelo viva, para um artista plástico famoso. Com esse pano de fundo, o filme fala sobre arte, solidão, amor, teatro, tudo isso num ritmo vertiginoso e perturbador. É o filme mais artístico de Brant, até porque um dos temas centrais do filme é justamente a arte, ou a relação do artista com sua obra, e da relação do crítico com a arte e com a vida.

Dezenas de diretores, escritores e gente ligada ao cinema e à literatura prestigiaram o evento e permaneceram conversando do lado de fora. Eu fui pegar uma latinha de cerveja e observar as pessoas quando eis que surge a meu lado Marçal Aquino, um metro e noventa, com ar descontraído e feliz, pedindo uma latinha na mesma barraca onde eu estava. Aliás, cá entre nós, nada mais maravilhosamente carioca do que a barraquinha de cerveja. No dia em que Salvador descobrir a barraquinha de cerveja, a miséria do Pelourinho se reduz a metade. Aqui no Rio, metade da população está no comércio ambulante. Vida dura, ainda sem apoio do poder público, mas uma vida digna, sem patrão, que deixa o povo longe da indigência e da mendicância.

Voltando ao Marçal, minha assessora foi cumprimentá-lo e eu, meio travadão, emborquei mais uma latinha e me aproximei. Acabei fazendo um amigo. Apareceu o Sérgio Santa'nna e nós ali, na Cinelândia, tendo ao norte o Odeon, ao leste o Teatro Municipal; Biblioteca Nacional ao sul e, no oeste, Museu de Arte Moderna e o mar; a conversar amenamente de cinema e literatura.

Sergio Santa'nna confessou que o filme é muito mais do Brant e do Marçal do que dele. De fato, a história original do filme foi completamente alterada. Mas Sergio estava exultante com o filme. Fomos todos para a festa na Tenda de Copacabana. Sergio, Marçal e amiga foram de táxi.
Eu e minha assessora fomos de ônibus, mas nem lembre da luta de classe. Chegando lá, a credencial de imprensa fez o milagre e entramos no templo.

Lá encontrei um Beto Brant serelepe, feliz, com quem, aliás, já tinha falado rapidamente na saída do Odeon. Até dei um livro meu pra ele, mesmo sabendo que ele iria perdê-lo na euforia da noite. Não tem importância. Domingo, ao meio dia, tem palestra com Brant no Meridien e eu vou lá tentar uma entrevista com ele.

Por falar em entrevista, aguardem entrevista com Marçal Aquino e Sergio Santa'nna no Arte & Política. Com esse festival, e mais a correria do meu novo trabalho, o AP ficou sem duas edições semanais, mas voltará na semana que vem com força total.

Sobre o filme do Paulo Betti, no qual meti o cacete 2 posts atrás, queria acrescentar que o tema escolhido foi importante, e que o filme talvez tenha sua importância e lugar na história do cinema brasileiro. Fiquei sabendo que demorou cinco anos para ser feito e consumiu 3 milhões de reais.

Na festa da Tenda, ainda falei rapidamente com Lírio Ferreira, disse que o Baile Perfumado era uma sequência luxuosa de Deus e Diabo na Terra do Sol. Ele lembrou do lançamento de seu novo longa, Árido Movie, na próxima terça, lá no Odeon. Estarei lá, com cerveja. Por falar nisso, meu orçamento para a cerveja pós-filme já está se esgotando... Portanto, quem quiser depositar um mensalão na minha conta, fique à vontade. Sem preconceito ideológico nenhum.

Eu e o Marçal batemos o maior papo na Tenda. Perguntei a ele se não achava que o cinema poderia ser um catalisador da literatura brasileira. Ele não concordou muito, mas admitiu que tem apenas cerca de 2 mil leitores. Disse que esses 2 mil os satisfaziam, porque entre eles havia gente como Sergio Sant´anna e Rubem Fonseca. Não acreditei muito nessa sua satisfação. Por isso, acho tão importante a internet. Mal ou bem, um site bem feito, um blog bem escrito, consegue tão ou mais leitores que um livro chique editado pela Cosac & Naif.

Com o Sérgio Sant'anna, ainda contei que havia conhecido o João Filho, em Salvador, e ele comentou, feliz, sobre a conquista do poeta baiano de sair do interior para viver na capital, onde as novas e intensas experiências metropolitanas irão seguramente fertilizar a imaginação do artista. Também falei sobre o evento do Bagatelas, no Odeon, que teve participação de Sergio, e ele comentou que gostou muito, apesar de ter se excedido na bebida.

O Festival agora tá ficando mais animado. Eu tô ficando mais animado. Neste blog, dou minha opinião e falo sobre os bastidores. Críticas sérias, vocês sabem, é lá na Contracampo.

PS: Pra aqueles que estão se perguntando, como eu consegui conversar com tanta gente boa, a resposta é... pura cara de pau de bêbado, e a colaboração fundamental da minha assessora, que ao contrário de mim, é simpática e bonita.

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