Para os baianos retados Jorge Ferreira e João Filho
Saltamos do ônibus, a fria chuva nos pega desprevenidos, dois bichos trêmulos voltando para o muquifo bagunçado na rua do Riachuelo, Rio, após três dias na Bahia.
Como foi? Salvador nos acolheu meio sem-graça. Famélicos, malandros e hipongas descerebrados agora dominam um pelourinho decadente.
- quer comprar uma fitinha? pergunta o cabeludo de dentes estragados e olhos maus.
Nem respondo, irrita-me aquele sorriso falso, tipo: mais um turista otário.
- filho-da-puta, ele murmura e continua andando, atrás de novas vítimas. É assim, se você não comprar a porra daquela fitinha, você é um filho-da-puta. Não importa se você não tem um puto no bolso, os caras acham que você é obrigado a comprar. Eu vi um outro cara, pelo mesmo motivo, chamar uma turista espanhola de piranha.
Assim a cidade degenera, o turismo e seus empregos escorrem pela calçada, um perfume de amônia em toda parte, tudo definha (ou cresce?) ao onipresente som da capoeira.
Mas... sei lá, pensando umas coisas, encontrando os poetas no Mercado dos Peixes, a esperança rompe-me pelo estômago como um alien nascendo. João é Filho de quem? De qual ramo dos Ferreira, veio Jorge? De Lampião? Eles riem com minhas palhaçadas pós-cinco cervas.
- Jorge, tira a foto aí do Miguel do Rosário, bêbado, imitando Kafka, ri João.
- primeiro eu entro no seu blog, diz Jorge, depois no meu.
- seu blog é bonito pra caralho, diz João.
Estou feliz com o novo emprego, mas apreensivo com o fim da vadiagem. O futuro me dá um abraço sufocante, e vejo a lua tornar-se rubra, ou antes, verde, como sangue de políticos, mais preocupados com ideologias bolorentas que projetos. No fundo, todas as coisas estão ligadas, por exemplo, Ulisses, de Joyce, é o maior engodo da literatura universal. Concordamos, os três poetas e a editora de revista ali presente: uma coisa tão absurdamente chata não pode ser um clássico.
Debatemos, brevemente, sobre as desgraças de um escritor duro no Brasil.
- é a estética do perrengue, filosofa João e lembra, anti-saudoso, dos rolos de arame que tinha que descarregar do caminhão para dentro do armazém, aquele mesmo armazém em cujo balcão rabiscou um delirante e Encarniçado romance.
O que só lembrei mais tarde foi aquele dia, em São Gabriel da Palha, Espírito Santo, em que andei três quilômetros com uma mala de oitenta ou noventa quilos no lombo. A gente sofre, a gente vive, a gente sonha.
- Ainda somos iludidos, conserta Jorge, assim que chego e despejo, sem travas, as angústias mais recentes.
- Philip Roth diz que a literatura vai acabar por falta de leitores, eu anuncio, sombriamente. E olha que ele fala isso lá nos States, onde qualquer escrevinhador de bula de remédio tem sua féria garantida.
A verdade é que, de vez em quando, eu quero ser Stephen King para adultos. Mas estou mais para um Lima sem talento.
O dia raiou, a gente lendo em voz alta e contemplando a vista, eu proferindo caóticas literatices e com saudades do blog da Mara Coradello, e da própria, que foi morar na cidade das três pontes.
Posso dizer: tenho amigos lá no norte, dois sertanejos brabos e talentosos. Ah, Bahia, enquanto afundas em agonia, resgatamos a alquimia, de transformar a noite em dia, com doses cavalares de cerveja, e poesia...
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10 comentários:
Yeah Miguelito! A bahia continua linda - parafraseando o ministro - cheia de injustiças e contradições. Seus pelourinhos, seu turismo sombrio. Daqui, um abraço dos poetas perrengues!
abraço, Jorge. Obrigado por tudo.
Ótimo texto, mas, o que vc foi caçar em São Gabriel da Palha???!!! Eu, que sou natural do Espírito Santo e moro aqui desde sempre, só fui lá poucas vezes, para visitar parentes! rs
Bjo
por coincidência estou vendo um documentário sobre o riachão. bahia não me seduz... mas foda-se eu, né? abraço.
Cacete! Isso rendeu mais! Tenho certeza que sim, cadê os escritos?? Solta aê, solta!!
tha, eu fui num congresso de café em São Gabriel da Palha, levando um material de divulgacao para empresa que eu trabalhava.
Raphael, vou soltando aos poucos. To precisando falar com voce, tenho novidades...
Caraca Miguel, que lindo, que bons tempos, que inveja dos amigos andando por ruas sujas mulambentas sendo um filho-da-puta so por pechinchar precos, como o da cerveja do boteco do tio de bigode. Voce diz coisas fantasticas como: "qualquer escrevinhador de bula de remédio tem sua féria garantida", devia ler seu blogue mais vezes, como fazia em meus tempos de vadiagem absoluta. Mas me fale, agora que arrumou este emprego, o Arte e Politica continua? Outra coisa, tento lhe mandar um e-mail e nao chega, mas ja esta explicado, daqui dois dias tento de novo. Abraco.
Po, Tiago, claro que o AP continua. Esse blog aqui é também um pouco o AP. O emprego só vai me ajudar a manter o AP. Eu sempre trabalhei e fiz minha literatura. Trabalho para ganhar a vida, faço arte para continuar vivo.
Não tinha lido essa citação a minha pessoa por aqui Miguel...uma que gentil...Espero um dia poder recêbe-los para um congresso mais saboroso que aquele de São Gabriel da Palha....
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