Insônia Maldita (um poema antigo)

um olho que cai
fundo
e flui
aos poucos se espalha
por todo o centro
o âmago sombrio
puro
negro
como lua traída
ou beijo negado
com fúria

facas que não mais cortam
estão cansadas
transbordando compaixão
e o sangue da noite
nos embriaga, nos esquece
e nos consome
em seu curso violento
na direção do absurdo
de um sorriso

caem, quebram,
restam só mentiras,
estilhaços, dor e cinzas
e a saudade se contorcendo
no deserto noturno
dessa insônia
maldita

(MR)

crises políticas

as guerras começam assim
devagar, em golfadas
de amor não correspondido
em crises políticas
em crises de ciúmes
em crises de fome

as guerras são filhas
da História, que venderam
seus corpos
em troca de jóias, poder e lingeries

as elites adoram guerras
apesar de sempre fugirem à linha de frente
o povo não quer a guerra, nunca,
mas quando ela vem,
vinte mil anos de barbárie
vêm à tôna

as elites pensam que podem
derrubar governantes
e depois ir ao teatro
rir das peças idiotas do Miguel Falabella

as elites começam as guerras
mas nunca sabem como terminá-las
não conhecem as agruras do povo
não compreendem que os pobres
não querem apenas desenvolvimento econômico,
e sim um pouco de ajuda direta pra sair da merda

assim começa a guerra
com a elite gritando nos jornais
gritando nas revistas, na tv
sempre longe das favelas
das periferias, dos acampamentos
onde ainda ecoam clamores revolucionários

o povo, porém, não é tão burro quanto eles pensam
ele tem coração, intuição
e já está planejando o contra-golpe
ao ataque traiçoeiro que percebe
nos porões das notícias

o povo, claro, somos eu e você,
e estamos aqui, entre a porta e a rua,
esperando a hora de agir
de exigir respeito à democracia e à verdade

o trabalhador é simples, confuso às vezes,
mas firme em sua fome de justiça
não tirem a esperança do povo
porque, enquanto a classe média se afunda
num sofá velho e confortável
murmurando palavras de desencanto
o povo dança uma dança estranha
entre a euforia
e o ódio

poema

ele rasteja entre conflitos
e bebe o líquido negro e viscoso
que jorra de uma ferida aberta
na pele da noite

seu ofício
é fundir a cruz
e o orgasmo
para criar uma rosa
bêbada
fina flor da loucura
docemente plantada junto à sepultura da musa
bela fêmea
esfaqueada
ao sol rubro das madrugadas

Nova edição semanal do AP

Está no ar a nova edição semanal do AP, vale conferir.
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poema-resposta

Esse poema é uma resposta poética, ou diálogo poético, em relação a um poema do Bortolloto, no site Máquina do Mundo, edição de julho. Vejam lá.



fracasso enquanto dor

à Mário Bortolloto

a derrota não é bela, Mário
mas triste e sangrenta
adoecendo em hospitais sujos

a miséria chora longe dos bares
dos teatros dos cinemas

o fracasso que pretendes é falso
glória e força travestida em dor

confundes derrota com a melancolia
dos poetas enfastiados
avessos aos holofotes
da vulgaridade

o fracasso é o grito
impotente do pai
diante do filho em pedaços

a dor de quem lê nos olhos
brancos da morte
um fim lento e humilhante

a mulher e seu espelho
que não lhe esconde os defeitos

o fracasso, Mário, é o fim da poesia
a cerveja quente, choca,
a traição dos amigos
o ciúmes descontrolado da namorada

a poesia, eu sei, alimenta-se
do ego partido
da sinceridade sem freios
do medo constante do homem
diante de si mesmo
e do Universo aterrador

mas a própria eclosão
do poema
é a superação desta dor
a glória suprema do homem
um grito de vitória
sobre a mesquinhez da vida
sobre a mediocridade
e o egoísmo

a poesia, irmão, é a vitória

mesmo sem grana
o poeta vaga pelas ruas
consciente de sua força
orgulhoso de sua raça

triste, é claro,
não pela ausência de um carro do ano
mas por não poder pagar uma bebida
a seus amigos

triste, é óbvio,
não pelo apartamento de luxo que não pode ter
mas pelo kitnet que deixará
de alugar com sua amada

o poeta é sensível
ao mundo, mas odeia os piegas,
os hipócritas, os burros e os arrogantes

seu mundo é simples, duro, forte,
feito de poucos e bons amigos,
alegrias simples mas verdadeiras

seu fracasso? é claro que perde
diariamente muitas lutas
seu corpo é marcado
de cicatrizes de guerra

mas o poema é como um caco
de espelho achado na praia
refletindo, loucamente,
o sol, as estrelas,
a dor e a liberdade

Mais um poema

Achei um poema do ano passado. Vai lá.


o sol também se embriaga

ele colecionava estrelas
e bocetinhas de plástico
como um dinossauro
arrotava à noite
delirante e brutal como o vento
que matou cento e trinta mil pessoas
em El Salvador

Certo, é um astro que brilha
fulgurante incêndio de luxúria
durante algumas horas
e sangra e morre na escuridão

mas o astro está cansado hoje
não foi trabalhar. saiu de casa
às onze da manhã e às cinco
estava tão bêbado
que esqueceu-se onde morava
dormiu na rua

e o mundo ficou sem luz por três dias

Poesia revisitada

Também vale revisitar alguns poemas meus recentes que tem a ver com a realidade atual, e dos quais alguns amigos meus gostaram muito.


Triste dia de sol

Os dias de sol também são tristes
os mortos e os anjos não bebem cachaça
o mundo está cheio de dor e fantasia

aos trinta, as ilusões persistem
mas já não têm brilho
e sua coloração é de um verde-desespero

Pela janela do ônibus,
onde celebro a liberdade de ser anônimo,
vejo passarem as musas de mini-saia,
olhos pintados e um ar de princesas do subúrbio

o sol derrama um vômito de fogo
sobre a face pálida de um soldado
sem braços, sem pernas e sem olhos

as guerras são o grito de Deus
os jornais de hoje não publicam poesia
apenas entrevistas com escritores
preocupados exclusivamente com o gênio
que eles mantêm cativo
em algum lugar entre o pescoço e o umbigo

suas obras não valem mais que um cigarro
na mão daquela moça charmosa
que acaba de me soprar um beijo

*****

Na Lapa, com 10 reais

a cachaça é um sol translúcido
transbêbado
sexualmente transmissível

a cachaça é um amor impossível
entre a liberdade e a solidão
a dor e a dançarina
o cego e as cores sanguinolentas
do alvorecer

meu circo perdeu seus palhaços
num desastre em Niterói
ah meu bem, viver sem ti,
não imaginas como dói

alguns morreram
outros se perderam
fiquei só entre as estrelas
mijando sangue no pneu de um carro
aqui na Lapa, com dez reais
na carteira e a alegria
de ainda poder beber

de madrugada, vou-me embora
na carona de um cometa
feito de argila e carne humana
quero dormir, morrer, quem sabe?
ser ou não ser, eis o dilema
dos imbecis, dos suicidas, dos bêbados,
e dos poetas sem grana
desmaiados sobre os Arcos.

Nestes tempos de FLIP

E eu falando de política... Quem quiser ler algo que escrevi sobre a FLIP, clique aqui. É uma crônica sobre o tema, entitulada "Por que não vou à Flip?". Trata-se de uma abordagem divertida do assunto, com viés ficcional, e que, inclusive, não garante totalmente que eu, de fato, não vá ao evento, embora seja cada vez mais remota essa po$$ibilidade.

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