Um poema de Roberto Piva

Tenho ouvido muito falar de Roberto Piva. Agora o camarada Flavinho Mello, em entrevista para a Revista Entre Livros, também cita Roberto Piva como uma de suas influências. Acredito que muita gente também não conhece esse curioso poeta paulistano. Abaixo um poema dele.



A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento
abatido na extrema paliçada
os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
as senhoras católicas são piedosas
os comunistas são piedosos
os comerciantes são piedosos
só eu não sou piedoso
se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
eu não sou piedoso
eu nunca poderei ser piedoso
meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

Roberto Piva - Paranóia (1963)

2 comentários:

Anônimo disse...

muito legal o texto e a pintura aí embaixo. o lance do cachorro, bem curioso. abraço pra você.

Miguel do Rosário disse...

Obrigado, Mario, a gente está sempre aprendendo. Aliás, depois que você mencionou o texto, cortei uma coisa ou outra que considerei excessiva. Abs.

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