Blog Hallucinations

Parte 1 - Sobre a solidão

Fácil não é, nem queria que fosse. Fácil seria colher aquela flor e comê-la, ou pior, esmagá-la entre os dedos e espalhar os detritos sobre o asfalto quente. Tanta gordura hidrogenada acaba por esclerosar as metrópoles. As avenidas são como artérias sujas, carros e glóbulos trafegam lentos pelos canais estreitos. Vendedores e artistas invadem a pista para vender refrigerante ou implorar um trocado aos motoristas.

Tenho trinta anos e um terno semi-novo, que eu mesmo passei hoje de manhã e com o qual pretendo iniciar minha nova carreira de evangelista louco, algo parecido com o Zaratustra após descer a montanha. Talvez eu possa ensinar algo de útil às pessoas. Por exemplo, sobre a solidão.

Quem mora em cidade grande, sofre uma solidão com características específicas: uma hostilidade geral que nos machuca diariamente, nos enfraquece e nos transforma em covardes: frágeis plantinhas tremulando sob uma tempestade de buzinas, xingamentos, assaltos e frustrações afetivas.

Nas pequenas cidades, porém, a solidão é ainda pior, pois o solitário não tem programas culturais & boêmios que o distraiam de seu mal. E os vizinhos, espreitando sua vida, se tornam um enorme olho maldito, um lago negro de águas geladas no qual mergulhamos por distração ou ingenuidade. E ali nos afogamos por conta própria, preferindo o silêncio negro e opressivo das águas à histeria assassina das línguas envenenadas.

Vencer a solidão só é possível quando se aprende a conviver com ela. É o velho ditado: não pode com ele, junte-se a ele. Aprender a ser sozinho é a melhor saída.

Outro método muito bom é transformá-la, a solidão, em liberdade. Basta ver as coisas pelo seu lado positivo. Pense nas companhias indesejáveis que poderiam estar a seu lado e sinta o quão livre você é por estar sozinho. Imagine uma pessoa insuportavelmente chata, absurdamente mesquinha, terrivelmente egoísta, e com a qual você, por alguma fatalidade, fosse obrigado a conviver dia e noite. Feche os olhos e fique pensando nisso durante o máximo de tempo que puder. Quando você abrir e verificar que está sozinho, sentirá um imenso alívio.

É por aí que a gente vai aprendendo a ser feliz, ou então nos desesperamos de vez.

Eu, por exemplo, já fui muito solitário. Depois que meus pais morreram, vendi tudo que herdei (ou seja, o apartamento na Glória, com tudo dentro) e fui morar na Lapa, num kitnet no décimo primeiro andar. Não tinha amigos, namorada, colegas de trabalho, nada. Após o pagamento dos impostos, restou-me uma bolada de cerca de cem mil reais e depositei tudo no banco. O gerente me explicou que o dinheiro, se aplicado num fundo conservador, renderia uns mil reais por mês. Num fundo arriscado, poderia gerar até cinco mil reais mensais.

Como meu custo de vida girava em torno de uns mil e quinhentos reais por mês (incluindo a faculdade), e eu não estava a fim de trabalhar, optei pela segunda alternativa. Dei sorte, pelo menos nos primeiros meses. Lembro-me que, logo no primeiro mês, saquei cinco mil e duzentos reais. Nunca pusera a mão em tanto dinheiro.

Foi quando senti cair sobre mim, como um vaso lançado do trigésimo andar, o peso da minha solidão.

Se eu fosse um cara bonito, as coisas seriam mais fáceis. O negócio é que, na época, eu era muito feio. Pra começar, era morbidamente gordo. Um psicólogo explicou-me que eu sofrera um trauma pela morte violenta de meus pais. A perda súbita de quem eu mais amava, explicou o homem de olhos frios e boca fina, havia deflagrado uma produção descontrolada de hormônios ligados à ansiedade, produzindo em mim uma fome crônica, insaciável. Era verdade: eu comia o tempo inteiro.

Quando me vi na rua com todo aquela grana, sem ter com quem sair, ninguém pra conversar, nada pra fazer, a primeira coisa que pensei foi em comer. Mas, num impulso conservador, optei pela alternativa mais barata: enfiei-me na pastelaria chinesa mais próxima e devorei quatro pastéis e dois caldos de cana.

Também pensava em sexo obsessivamente. Lamentavelmente, meu aspecto deplorável dificultava-me o acesso a mulheres "normais", quer dizer, que não fossem prostitutas ou tipos medonhos. Antes de engordar tão brutalmente, tinha uma namorada bem bonitinha. Após o acidente que vitimou meus pais, ganhei vinte e cinco quilos em dez meses. Separei-me de Antônia e fui morar sozinho. Quando o problema da herança foi resolvido e saquei minha primeira renda, no verão de 2004, estava sem fazer sexo há mais de um ano.

Nova edição no ar

Outra edição eletrônica do AP no ar. Desta vez, com uma entrevista com um rapaz excepcional, Tiago Muzulon, que conseguiu finalmente ir a Londres. Tem 18 anos, mas se difere profundamente de outros jovens que dedicam suas vidas ao videogame, brigas em boate, estasy e outras gracinhas. Mais uma prova de como a cultura engrandece o indivíduo.

No dia 14 de julho, haverá festa de lançamento de uma nova edição impressa do Arte & Política. Deverá ter o mesmo formato da edição anterior, mini-tablóide, preto e branco, cinco mil exemplares. Desta vez com distribuição assumidamente gratuita. O local da festa é o Casarão Cultural dos Arcos, ao lado da Asa Branca, Rio de Janeiro. Acompanhe os preparativos aqui mesmo, nesse blog.

Por falar na edição anterior, estamos devendo ainda a publicação, no site, das matérias do jornal impresso. Começamos pela entrevista do Mano.

Sobre a crise

Escrevi um artigo novo sobre a crise política. Está no meu blog político: Óleo do Diabo. Ver aqui.

Romance fora do ar

Talvez alguém tenha estranhado que coloquei no ar, por alguns dias, o romance Baixada, de minha autoria; e logo depois o retirei. A explicação é simples: não o achei bom o suficiente para se manter no ar. Peço desculpa a quem esperava ler mais, embora ache isso quase impossível. Prometo transformá-lo num conto e publicá-lo brevemente.

Código Da Vinci II

É impressionante essa coisa de Best Seller. Escrevi, há alguns mess, um conto entitulado Código Da Vinci II. Era uma paródia com o livro de Dan Brow. Não é que esse conto tem sido o mais visitado do Arte & Política das últimas semanas? Já superou inclusive a visitação da página inicial do site. As pessoas escrevem Código Da Vinci no Google e chegam diretamente na página do conto. Somente esse conto está respondendo por 8% de toda a visitação do site, segundo o relatório da Locaweb.

O outro texto mais lido é o conto "História Secreta do Comando Vermelho", porque a expressão Comando Vermelho também é muito acessada.

Engraçado isso, não?

Como era o site do Arte & Política?

Prezados, recordar é viver. Vejam no link abaixo como era o site do AP em 2002. Recomendo especiamente a poesia traduzida por nós sobre terrorismo, no link Arte.

Leiam aqui.

versos da guerra

tenho sonhado com flores
de sangue que explodem
e mutilam e matam
e vejo a carne fresca
sangrando nos cafés

então vejo Deus,
ou anjo não sei
com olhos de um branco-leite
que ameaça-me com seus dedos
de aço indestrutível

percebo, estranhamente,
que ele tem medo
medo que eu descubra
suas fraquezas
e a revele aos demônios
que rondam as bordas do mundo
prontos para destruí-lo

tenho sonhado com peixes
de vidro, amores futuros,
e guerras terríveis
onde crianças são mortas
como moscas

Eu sou Deus e estou morto
nas trincheiras fétidas
de um deserto tão lindo
com suas dunas, palmeiras e alvos pássaros
cantando sob o sol
eu estou morto
e sou antigo como as águas
ausentes de Bagdá

Eu sou Deus
e me vingo,
ébrio de ódio
contra aqueles que deturparam
meus versos de liberdade

Antes que chegue a primavera

Meus horrores,
solidões azuis sem pátria
mares baixos, antigos,
como doces
que se transformam,
por desencanto,
em drogas psicotrópicas

silêncio,
mágoas esverdeadas,
lentamente apodrecidas sobre mesas
como natureza doente,
explosiva em seus fantasmas

santos dias, que vivemos
em igrejas decadentes
maldizendo Cristo,
bebendo vinho barato
e ouvindo blues

os sonhos, foram tantos
e tantos destruídos
por beijos inexistentes
olhares inconsequentes
línguas envenenadas

obsoletas auroras
sangraram ouro
e canções de amor
sobre os horizontes
de nossa liberdade

devassamos o fim
nas entranhas do meio
e passeamos em Paquetá
antes do inverno

a poesia
morreu sem medalhas
agora lava o chão dos bares
em troca de cerveja

mas os versos
que anotei
na parede dos banheiros,
esses ficarão,
até a primavera

Ouça o poeta recitando este poema.

Duas poesias

Duas poesias novas, esperando a opinião de vocês


Triste dia de sol

Os dias de sol também são tristes
os mortos e os anjos não bebem cachaça
o mundo está cheio de dor e fantasia

aos trinta, as ilusões persistem
mas já não têm brilho
e sua coloração é de um verde-desespero

Pela janela do ônibus,
onde celebro a liberdade de ser anônimo,
vejo passarem as musas de mini-saia,
olhos pintados e um ar de princesas do subúrbio

o sol derrama um vômito de fogo
sobre a face pálida de um soldado
sem braços, sem pernas e sem olhos

as guerras são o grito de Deus
os jornais de hoje não publicam poesia
apenas entrevistas com escritores
preocupados exclusivamente com o gênio
que eles mantêm cativo
em algum lugar entre o pescoço e o umbigo

suas obras não valem mais que um cigarro
na mão daquela moça charmosa
que acaba de me soprar um beijo

*****

Na Lapa, com 10 reais

a cachaça é um sol translúcido
transbêbado
sexualmente transmissível

a cachaça é um amor impossível
entre a liberdade e a solidão
a dor e a dançarina
o cego e as cores sanguinolentas
do alvorecer

meu circo perdeu seus palhaços
num desastre em Niterói
ah meu bem, viver sem ti,
não imaginas como dói

alguns morreram
outros se perderam
fiquei só entre as estrelas
mijando sangue no pneu de um carro
aqui na Lapa, com dez reais
na carteira e a alegria
de ainda poder beber

de madrugada, vou-me embora
na carona de um cometa
feito de argila e carne humana
quero dormir, morrer, quem sabe?
ser ou não ser, eis o dilema
dos imbecis, dos suicidas, dos bêbados,
e dos poetas sem grana
desmaiados sobre os Arcos.

Metafísica engordurada

Céu, se houvesse, seria aos poucos, com pássaros sangrando,
ou sorrindo,
elas, as musas, rodopiando em meio às plantações.
Elas são cruéis, as musas, porra, se são!
Matam inocentes com armas
que os exércitos mais desumanos se recusam a usar.

A respiração é um sol suicida,
pai assassino do próprio filho,
amante da própria filha,
piloto de avião que estupra as nuvens,
e mutila as estrelas.

Claro que a polícia
mata,
mata e deixa matar,
e incendeia com dor
o sexo do mundo.

o demônio transforma a liberdade
num slogan de guerra
e as crianças desmembradas
serão obrigadas
a usar a cabeça.

o amor? é também um mar,
imprevisível, grandioso,
maior que tudo,
mistério profundo,
onde pescamos o prazer
nosso de cada noite.

Mais um poema boêmio

30 anos

meu nome não vale um cachorro doente
uma cerveja quente
uma moeda falsa um chip velho de computador
as palavras que juntei
apodreceram na despensa
ou foram roubadas
por críticos eunucos

as putas que não paguei
vieram se vingar
arrebentaram-me todo

o dono do meu apartamento
morreu do coração e seu filho
quer me expulsar

mamãe cansou de me emprestar
dinheiro a fundo perdido

a família já começa
a me olhar como um louco
digno de lástima

depois dos 30
ser poeta
é coisa de maluco

mas tudo bem
restaram-me alguns litros de sangue
que misturo ao uísque
e tomo um porre

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