Carlos Vergara e a superação do conceitualismo frio
Ontem fui à inaguração de uma galeria de arte no Museu da República. É um espaço pequeno, que ficou apertado com as duas obras enormes de Carlos Vergara, artista plástico nascido em 1941, no Rio Grande do Sul.
O evento foi bacana, porque encontrei meus colegas artistas plásticos Nilton Pinho, Juliano Guilherme (autor das pinturas que formam o mosaico do título desse blog), Rose, Élcio e o Sideral. Curiosamente, meus amigos aqui no Rio são todos artistas plásticos, quase não saio com escritores. O Sideral e eu somos os únicos poetas do grupo. Ah, apareceu também o Zé Veras, pintor também, mas que logo desapareceu misteriosamente.
Foi servido um vinho tinto muito saboroso, muito mesmo, mas não me perguntem a marca nem a safra, só sei que bebi umas dez taças, feliz da vida pela oportunidade de beber vinho sem alterar meu esquálido orçamento.
Veio-me imediatamente a idéia de escrever algo sobre o Vergara e a exposição, ou melhor, veio-me a idéia de escrever regularmente sobre o tema, já que sou aspirante a crítico de arte e editor de uma revista eletrônica especializada em artes plásticas, a Serebelo, a qual ainda precisa ser muito aperfeiçoada.
O Vergara estava lá, com seu bigodão e a bengala, com aspecto bonachão de um inglês boêmio do século XIX. Pensei em entrevistá-lo naquela mesma hora, mas já tinha bebido muitas taças e, sobretudo, não havia gostado da exposição.
Nenhum de nós gostou, e conversamos disso depois no barzinho da rua 2 de dezembro, ali perto, onde nos reunimos para beber umas cervejas.
Em primeiro lugar, a galeria é muito pequena, apenas duas salas, e o galerista entulhou duas instalações enormes do Vergara naquele "quarto-sala". As obras foram totalmente asfixiadas pelo ambiente apertado e opressivo. Em relação aos trabalhos em si, são obras explicitamente conceituais, com pouco apelo estético, e um tanto quanto datadas. Uma é um monte de papelão amontoado. Prestando mais atenção, vi que eram formas humanas. Outra é uma estrutura de madeira, com um boneco deitado numa cama lá dentro, enrolado na bandeira do Brasil; o título da instalação é "Berço esplêndido", e tenta ser uma crítica à... sei lá. Os dois trabalhos são dos anos 60, início da carreira do Vergara.
Minha intenção, portanto, ao escrever a primeira crítica de arte neste blog, era meter o cacete na exposição, que representa um tipo de arte que considero ultrapassada, que é a arte conceitual pura, essas quinquilharias absurdas e enfadonhas que amontoaram nos museus de arte contemporânea. Uma arte que um dia sonhou ser rebelde e politizada, mas que terminou acadêmica e elitista. Pra resumir, um arte chata pra caralho, daquelas que a gente entra numa exposição, olha dois segundos e vai pra casa mau humorado.
Pois é, aí eu fui entrar no site do Vergara para saber mais sobre o artista, conhecer sua história, outras obras, e tal. E tive a mais agradável das surpresas. No link Trabalhos recentes, vi uma série de telas magníficas, que me fizeram ver um outro lado dele. Uma delas está reproduzida no início desse post.
Porque, então, cargas d'água, escolheram aquelas instalações para enfiar na galeria? Bem, eu sei, porque galerias, curadores e afins, ainda não acordaram do pesadelo dos anos 70 e 80. Ainda não entenderam que muita coisa do que se chama hoje de arte conceitual tornou-se anacrônico, esvaziado de sentido estético. Vergara parece ter compreendido isso, conforme podemos observar em seus trabalhos recentes, mas muita gente ainda não. Sem querer repetir o discurso (considerado por alguns) reacionário do Affonso Romano Santanna, inimigo número 1 dos conceitualistas, não posso deixar de expressar o meu enfado profundo por essas obras amorfas, em que o sujeito pendura um tufinho de cabelo na parede e diz que aquilo é arte.
Não que o conceitualismo seja inviável hoje. Acho que a arte contemporânea supera o conceitualismo incorporando-o, transformando-o num instrumento em favor da emoção, e não um elemento esterelizante do sentido eminentemente estético da obra de arte. Um artista como Nilton Pinho (cujo dionisíaco e modesto ateliê fica na rua do Riachuelo, a dois passos dos Arcos da Lapa), por exemplo, que trabalha muito com objetos, usa o conceitualismo sem perder de vista o objetivo estético; seus trabalhos possuem, digamos assim, densidade poética; você sente que ele pôs ali sentimentos e intuição; não foi mais uma daquelas teses acadêmicas tão caras aos críticos, por prestarem-se, facilmente, às suas complicadas e pretensiosas resenhas.
As pinturas da fase recente de Vergara são perturbadoras, ora sombrias, ora alegres, com profusão generosa de cores e formas, resgatando um expressionismo abstrato que, a meu ver, é uma das tendências mais importantes a surgir dos escombros melancólicos da arte conceitual.
Finalizando esse artigo, quero enfatizar meu respeito por todo o tipo de manifestação artística e pelo debate democrático que se faz necessário sobre o tema. Se disse alguma coisa desagradável, minha intenção não foi ofender ninguém, apenas expressar minha visão do mundo, a qual, aliás, está sempre pronta a ser atualizada e aperfeiçoada. Que fique claro ainda o apreço desinteressado e sincero que tenho pelas artes plásticas e pela arte em geral.
Protestem, dêem sua opinião. Leiam também, se puderem, esses dois artigos que escrevi sobre o tema. Manifesto Maximalista e o Maximalismo Hoje.
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3 comentários:
Miguel, você não se lembra de mim, mas eu me lembro muito bem de você. Eu também frequentava aqueles bares da São Francisco Xavier, o jardim da Uerj. Lembro que você fazia uma dupla engraçadíssima com o Maurício, os dois sempre com violão, fazendo barulho, bebendo, cantando, gritando, rindo. Em outras horas, os dois sorumbáticos, quietos, sérios...
Ih, miguel, esse comentário era para o post de cima, não esse. Mas esse post aqui também tá bem interessante. Aprendi um pouco de arte plástica...
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