Os garotos da Vila Nova

Eu sou um patriota do Brooklyn, dizia Henry Miller, ao explicar que o resto dos Estados Unidos não existia para ele, exceto por suas idéias, história e literatura. Parece contraditório. E é naturalmente, como qualquer texto de Miller. No mesmo conto, ele conta que nasceu e foi criado na rua, onde aprendeu tudo sobre os seres humanos e a vida. Napoleão, Lenin, Al Capone, tudo era ficção. Os verdadeiros heróis e bandidos de Miller eram os garotos que ele conheceu na infância. Cada um com sua incrível personalidade, seu misterioso caráter, sua impressionante coragem ou vergonhosa covardia.

Mas não estou aqui para falar de Henry Miller, que está morto, enterrado, e todo mundo conhece. Estou aqui para falar de Márcio Américo e seu Meninos de Kichute, um clássico da ficção de memórias.

O livro se passa inteiramente no bairro operário de Vila Nova, na periferia de Londrina. Relata com bom humor a vida difícil dos moradores da rua Ivaí e adjacências. Uma inegável nostalgia perpassa toda obra... Um tempo sem as complicações mentais que convertem crianças inteligentes e criativas em seres confusos, tímidos, chatos, tagarelas, pomposos, pedantes e imbecis. Nâo é o caso de Márcio, claro, pelo simples fato dele ser uma pessoa que, através da arte, ter conseguido resgatar um pouco da poderosa pureza da infância.

Tempos inocentes, em que Geisel era apenas uma grande figura no álbum de figurinhas. Em verdade, Márcio obteve um grande êxito artístico ao descrever a infância sem cometer quase nenhum "maduro" juízo de valor. Difícil isso. E honesto. Transformou o livro não apenas num escrito pessoal, mas numa obra de valor social, que pode ser estudada para se analisar o pensamento formador da sua geração.

As influências são claras: John Fante, Bukówski, Reinaldo Moraes, Salinger, o teatro de Bortolotto; ou melhor, o livro de Márcio está imerso nessa mesma corrente estética. A linguagem despojada, vibrante de franqueza e ironia, permite o autor resgatar a lógica perdida da infância. Uma lógica diferente, original, uma lógica pré-política digamos assim.

Acho que devia falar também sobre os aspectos antropológicos que circulam a obra de Américo. Nota-se, de cara, a opção pelo apolítico. Se é consciente ou não, isso não vem ao caso, pois é absolutamente natural e legítima. As referências ao ambiente histórico refletem apenas o ponto-de-vista inocente da personagem principal: o narrador-criança.

Nota-se também, de forma pungente e quase lírica, uma grande denúncia social em todo livro. Uma denúncia muito calma, de quem entende as vicissitudes da história e acredita, sem fanatismo, na força da liberdade .

Mamãe não quero ser prefeito, dizia Raulzito, e acredito que é isso que o livro de Márcio transmite também: uma necessidade angustiada de enxergar o mundo com mais pureza e liberdade, desvencilhado das armadilhas do dinheiro e das relações de poder.

Terminemos com palavras bonitas, como convém: uns fazem guerra, outros fazem amor. Não é preciso dizer qual a escolha de Márcio.

16 comentários:

Anônimo disse...

Miguel, obrigado pelas palavras, de boa, me emocionou o q vc escreveu.
Com sua permissão, vou publicar lá no meu blog.
abração.

Miguel do Rosário disse...

valeu Marcio. pode publicar onde quiser. Abração.

Anônimo disse...

poxa, fiquei com vontade de ler esse livro também...

Anônimo disse...

pois é, tantos livros que a gente ainda não leu, né?

Anônimo disse...

conheci um cara uma vez que escreveu um livro. ele tnha um problema na mão, é incrível, parece que ele tinha seis dedos numa mão. durante anos ele sentiu vergonha disso. um dia, ele ficou bebado, tinha uns quinze anos, segundo me contou, pegou uma faca e cortou o dedinho a mais que possuía. teve uma hemorragia, claro, e quase morreu, foi internado e um mês depois o dedo nasceu de novo... mas em outro lugar.. bem na virilha. ele me diz que as mulheres quando pagam boquete nele nunca resistem a dar uma chupadinha também no dedinho da virilha. o engraçado é que ele gosta, diz até que já gozou uma vez enquanto a garota chupava o dedo. fagundes

Anônimo disse...

adoro esse conto do henry miller, 14th Ward.

Anônimo disse...

fala miguel. e o livro do mirisola, já leu? eu comprei e to achando muito estranho. realmente, o cara é sinistro...

Anônimo disse...

eu li esse livro. é muito bom! mas tem um certo excesso de errinhos tipográficos...

Miguel do Rosário disse...

valeu flavinho

Anônimo disse...

fiz umas mudanças no texto, cortei o termo "política", que estava muito repetitivo. miguel

Anônimo disse...

O Orlando Fantini tem razão, infelismente o editor deu uma puta mancada e o livro tem alguns erros de editoração. Gostaria muito de reeditá-lo. Mas, acho que, ignorando estes errinhos, dá pra se divertir um pouco.
abraço.

Anônimo disse...

po, marcio, se grila não. o livro é muito manero. :))

Anônimo disse...

os delinquentes do inverno ainda não se esconderam, mas homens de verde começam a sondar os sórdidos segredos do sol...

Anônimo disse...

Kara, da onde q vc foi tira essa porra de ideia de que o Comunismo no Brasil q inventou o comando vermelho...
Akilo dali se eh verdade tem q ir pra midia, e pq sera q ainda naum foi, afinal a midia eh totalmente anti-comunista neh??
A unica pessoa q eu vi falando isso foi vc, ve se peskisa mais antes de falar essas paradas...
me responda ai
markinb@globo.com

Anônimo disse...

Você poderia falar também sobre outro clássico: Os Meninos da Rua Paulo. Lembra-se? Grande lembrança esta dos Meninos de Kichute. Jóia rara este blog.

Miguel do Rosário disse...

Falou Bruno, obrigado. Entrei no seu blog e também gostei dos poemas. oh, markinb, aquilo é um conto!! Aliás, até botei um aviso nesse sentido, visto que a verossimilhança do texto está realmente bem enganadora, eh eh...

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