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Esquina sagrada
Pra variar, hoje venho com uma crônica informativa. Fiz um Mapa da Lapa, Rio, mais especificamente da Esquina Sagrada, local onde o poeta e amigos tomam sua cerveja. Usei fotografias de satélite do Google Earth. Apesar de serem imagens de mais de dez anos atrás, antes da construção do novo Circo Voador, elas podem ajudar o leitor a adquirir senso mais apurado sobre a localização geográfica da Lapa.
Tenho grande carinho pela Lapa, especialmente pelo que chamo, brincando, de Esquina Sagrada. O cruzamento da Riachuelo com a Lavradio. A rua do Riachuelo e a Mem de Sá são as duas artérias principais da Lapa. A Riachuelo vem do Estácio, da Cruz Vermelha e termina nos Arcos. A Mem de Sá começa pouco antes dos Arcos, passa por ele e vai até a Cruz Vermelha. A rua do Lavradio é a primeira transversal que cruza a Riachuelo e a Mem de Sá, depois dos Arcos. No final da Lavradio, perto da Praça Tiradentes, fica o já lendário Rio Scenarium.
Se você estiver no Rio e quiser vir à Lapa, o centro boêmio do Rio, é a coisa mais fácil do mundo. Pode perguntar a qualquer pessoa na rua, que ela vai te informar quais os ônibus que vão pra lá. Estando na zona sul, os ônibus que passam na Lapa são o 409, 410, 433, 464, 434 e 572. Que eu me lembre. Os táxis no Rio também não são muito caros. A tarifa começa, senão me engano, em R$ 3, 60. Um táxi de Copacabana até a Lapa, não sendo na hora do rush, fica em torno de R$ 15 a R$ 20.
A Lapa tem opções para todos os gostos: punks, gays, mauricinhos, intelectuais, curiosos, amantes do hip hop, da sinuca, etc. Na Mem de Sá e na rua do Lavradio, há muitos bares novos, do tipo mais sofisticado, aceitam todo tipo de cartão e estão sendo frequentados por toda classe média carioca.
Minha sugestão é o Arco Íris, na Mem de Sá, para tomar umas cervejas num bar tradicional. Para quem gosta de chop, o Bar do Juca, quase em frente, resolve o problema. Para comer, vale a nova Pizzaria Encontros na Lapa, também ali do lado. Sem esquecer que temos os tradicionais Bar Brasil (comida alemã) e o Nova Capela (com um contra-filé insuperável).
Depois, vale a pena dar um rolê pela Joaquim Silva, que começa nos Arcos. Mesmo se você não curtir o underground, é importante conhecer. A Joaquim Silva às vezes fica meio baixo astral porque é a área mais reprimida da Lapa, devido ao fato de ser a área mais popular, com bares simples e muita concentração de ambulantes. Também há festas legais no Tá na Rua e nas casas de show da Mem de Sá, no trecho antes dos Arcos.
Caso você queira um barzinho mais refinado para rolar um clima romântico com a gata, ou gato, vá para o Gato Negro, bar novo que abriu na Riachuelo, alguns metros depois dos Arcos.
O Gato Negro fica bem ao lado da Esquina Sagrada, onde o poeta Miguel do Rosário e amigos, tomam cerveja a 2,30 a antartica. Se você pedir, o Paulo, gerente-garçom traz uma bem gelada. As mesinhas ficam na rua. A observação da arquitetura dos prédios, principalmente o enorme edifício colonial que fica do outro lado da rua, na esquina da lavradio com a riachuelo, será um grande momento de sua existência.
Esse bar é frequentado por todo tipo de gente. Quando a Lapa está muito cheia, ele também fica badalado, mas normalmente é um bar de trabalhadores e travestis, com uma mesa ou outra ocupada por intelectuais.
Leiam também essa crônica que escrevi, meses atrás, sobre a Lapa. De lá pra cá, o bairro continua crescendo...
Confiram esse site aqui, com informações completas sobre o bairro boêmio. Você encontrará a programação das diversas casas de show.
Sobre o nascimento de Jesus ou Resgate de um ex-sonho bom na esquina sagrada da Lapa
Resvira-te e beija o mundo. Bife com salada, antepasto do caos, esfumaçando-se por avenidas azuis. Desinventa o amor. Enche novamente teus lagos interiores com lágrimas de desejo. Escolhe a ocasião ardente e salta. Mergulha no mar sangrento do medo.
Sozinho, sempre. E demônios. Todos suavemente sentados ao bar, na beira da estrada que te leva ao suicídio, aos poemas, às paixões. O tempo? O tempo ri desbragadamente, o estômago forrado de churrasco e caipirinha. Queres fugir? Espera.
Queres fugir?
Então venha, discretamente. Silêncio. Na hora de gritar, te aviso.
Venha, abra a porta e entre.
Vê Deus? Ele é um velho de jeans e charuto cubano na boca. Escutando rock antigo. Ele jura que ainda dá no couro e o estoque de Viagra no armário do banheiro confirma.
Deus te conduzirá à São Paulo, para passear pela metrópole com olhos puros. Verás as prostitutas da Rua Augusta. Os poetas da Praça Roosevelt. Os meninos que fumam crack.
Depois te mostrará o Rio. A esquina sagrada da Lapa, riachuelo com lavradio. Travestis e estudantes discutindo pornografia e estética, cinema e política, novas formas de relacionamento e poemas beatniks.
Resvira-te e beija o mundo, abre os braços e imita o cristo safado e humano dos bordéis pós-modernos, famoso travesti eletrônico que inventou o sexo ontológico. Ah, que orgasmos você não teria diante dos sublimes olhos de Deus.
Final com fritas: o Espírito Santo comeu Maria, está escrito na Bíblia. Viva o Espírito Santo, fudedor discreto, boêmio despachado e vagabundo nato. O verdadeiro pai de Jesus.
O relatório
- Vai embora dessa casa! Você não é... humano. Não se aproxime de nossa filha.
Foi assim que tudo aconteceu. Tive que dar por encerrada a pesquisa e partir. Esperavam-me lá embaixo, entre os campos de fogo e as fábricas dos suplícios eternos.
Ao ler o relatório, o Mestre, satisfeito com a profundidade do estudo, pagou-me com séculos de festas e orgias.
Poema do mestre
Rua das Palmeiras
Minha visão com os cabelos presos nos rumores de uma rua
o sol fazendo florescer as persianas por detrás do futuro
meu impulso de conquistar a Terra violentamente descendo uma rua gasta
minha vertigem entornando a alma violentamente por uma rua estranha
os insetos as nuvens costuram o espaço avermelhado de um céu sem dentes
as copeiras se estabelecem nas sacadas para gritar
o sangue fermenta debaixo das tábuas
meninas saem de mãos dadas sem que a tarde deixe marca nas unhas
onde está tua alma sempre que o velho Anjo conquista as árvores com seu sêmen?
os aviões desencadeiam uma saudade metálica do outro lado do mundo
colunas de vômito vacilam pelos olhos dos loucos
corpos de bêbes mortos apontam na direção de uma praça vazia
o tapume os vultos meu delírio prestes a serem obliterados pelo crepúsculo
almas inoxidáveis flutuando sobre a estação das angústias suarentas
as palavras cobrem com carícias negras os fios telefônicos
no ar no vento nas poças as bocas apodrecem enquanto a noite soluça no alto de uma ponte
Roberto Piva
35 mini contos de verão (e crescendo)
Em homenagem às temperaturas médias elevadas e ao reconfortante barulhinho de ventilador que nos acompanhará até meados de março, escrevi trinta e cinco mini-contos, a maior parte sobre o tema verão, e mais especificamente sobre o verão carioca. Boa leitura! A partir do número 14, faço uma divertida homenagem a vários personagens, alguns queridos, outros nem tanto... O número de textos é variável, crescente.
1 - Mau humor
Essa porra tá ficando quente pra caralho.
2 - Sexo
Esse calor me deixa molhadinha.
3 - Tristeza carioca
Aê, tá mó calor.
4 - Revolta
Porra! Hoje tá quente pra caralho!
5 - Gay homem
Nossa... você fica tão gostoso suado!
6 - Lésbica
Eu suo muito embaixo do peito.
7 - Intelectual
De fato, hoje está muito quente.
8 - Poeta naif
No verão, as andorinhas voam leves.
9 - Engraçadinho
Verão é bão pra ver rabão.
10 - Marxista
O verão carioca atiça a luta de classes.
11 - Liberal
Reduzam os impostos da cerveja!
12 - Anarquista
Viva o ambulante!
13 - Maria Gasolina
Você viu o carro dele?
14 - Bortolotto
O verão no Rio é du caralho. Mas eu prefiro um Jack Daniels.
15 - Mirisola
Ela lambe minha pica em espiral, eu aumento a potência do ar-condicionado.
16 - Marçal Aquino
O cadáver apodrece mais rápido nesta época do ano.
17 - Pellizzari
Puta calor lá fora e eu aqui olhando a unha do meu dedo.
18 - Mainardi
Esse calor me dá nojo.
19 - Jabor
Tô ficando velho... no verão agora só bebo champagne.
20 - Lula
Grande Zeca Pagodinho!
21 - Zeca Pagodinho
Grande Lula!
22 - João Filho
Verão-bão pra comer buças.
23 - Bush
Veron en Brazil? I like it.
24 - Olavo de Carvalho
Só idiotas gostam do verão.
25 - Emir Sader
Temos que fazer um verão de esquerda.
26 - Reinaldo Azevedo
Verão é bom para matar passarinhos.
27 - Chávez
Carajo! Porque somos tan horribles en el fútbol?
28 - Fidel
Yo paré de fumar charutos... ahora somente los exporto.
29 - Miguel do Rosário
Calma amor. Esse ano eu compro um ar-condicionado.
30 - Raphael Vidal
AHAHAHAAHAHAAHAHAAHAHAHAHAHHAHAAH!
31 - Priscila Miranda
Os violinos e as flores de um verão mágico, e romântico.
32 - Botika
Lambi a ferida nojenta do mendigo e não vomitei.
33 - Bezerra da Silva
Aqui no céu é legalize. Vou apertar e acender agora mesmo.
34 - Marcelino Freire
Tem alguém passando a mão na minha bunda...
35 - Mano Brow.
Firmão? Tamo na área.
Crítica a contragosto ou Dom Casmurro pós-moderno
Breve comentário à guisa de prefácio: antes de fazer esta resenha ou crítica, li os artigos de Paulo de Toledo, publicados no Cronópios (seção Mezanino), apontando os erros e os acertos de uma boa crítica. Não deu para seguir tudo ao pé da letra, mas pelo menos, cometo os erros conscientemente. É um avanço.
"Ah, Joana, te amo tanto", Mirisola
Uma bela tarde, estava numa livraria e queria ler algo do Mirisola. Como não havia nenhum romance dele na loja, perguntei pela coletânea Geração 90: os transgressores. Ali mesmo dei uma fuçada no material. O Mirisola entra com um dos melhores contos, Rio Pantográfico. A linguagem é lírica, aberta, fluida. As frases se sucedem em espirais (da mesma forma que os boquetes de Joana...). O uso de digressões e contrastes dá uma cadência dissonante e poética ao texto de Mirisola.
Quando fiquei sabendo do lançamento de Joana a contragosto, aguardei o momento de ter o livro em mãos. Não tardou a acontecer. Editora grande é outra parada, consegue distribuir o livro em toda parte. Li com calma, assimilando o lirismo amargo, venenoso, intenso, carregado do velho sarcasmo dos tímidos inveterados.
Observei uma grande proximidade entre a literatura de Mirisola e a de João Gilberto Noll, sobretudo dos últimos livros deste, como Lorde e Berkeley em Bellagio.
Os dois vêm investindo na construção de um personagem-narrador, um alter-ego, que vive o romance com a mesma espécie de surpresa e espontaneidade de uma pessoa viva. A busca da frase poética, da frase lírica, também é comum aos dois, sendo que os dois conseguem, e isso é o mais difícil, eliminar quase todo clichê que o lirismo às vezes implica.
As estratégias de Mirisola para fugir do lugar-comum e subir os degraus da originalidade são bem singulares: sarcarsmo, ironia, luxúria, o bom e velho cinismo. Com esses ingredientes, Mirisola descarrega todo romantismo represado em suas entranhas. O fato do romantismo sair tão deformado seria apenas a contaminação natural da metrópole e sua radiações de crueldade e sujeira.
É um livro sobre o amor, uma história de paixão entre o escritor-narrador e uma moçoila carioca de 20 anos. Cumpre observar que o romance teve ainda esse sabor especial de ser quase todo ambientado no Rio de Janeiro, apesar de tratar-se eminentemente de um romance psicológico com pouca descrição de cenário, apenas algumas pinceladas básicas de Rio. Até nossa evangélica governadora é citada...
No último capítulo, Mirisola dá uma dica sobre as influências bibliográficas do livro. Ele compara Joana à Capitu, a famosa personagem de Dom Casmurro, do Machadão. É claro! Assim como Bentinho, o protagonista de Joana a Contragosto curte uma paixão obsessiva por uma mulher misteriosa. Como Bentinho, cujo ar sorumbático lhe vale o apelido de Dom Casmurro, o escritor MM também é triste, solitário, rancoroso. O "eu" literário de Mirisola tem raízes em solo machadiano.
"Amizade o caralho", diz MM para sua amada. O que vale não é o equilíbrio e estabilidade de uma amizade. Não quando se trata de uma mulher que amamos. Com isso, Mirisola parece repudiar o próprio equilíbrio e estabilidade no texto literário. Não, ele quer a paixão, mesmo que esta resulte em sofrimento e numa terrível frustração. Sim, ele quer o texto inquieto e entusiástico, como as paixões. Surpreendente. Como a própria tesão (no livro, ele põe tesão no feminino). Se faltar tesão? Ah, diz o triste MM, a tesão... isso a gente inventa...
Bem, você sabe...
Os garotos da Vila Nova
Mas não estou aqui para falar de Henry Miller, que está morto, enterrado, e todo mundo conhece. Estou aqui para falar de Márcio Américo e seu Meninos de Kichute, um clássico da ficção de memórias.
O livro se passa inteiramente no bairro operário de Vila Nova, na periferia de Londrina. Relata com bom humor a vida difícil dos moradores da rua Ivaí e adjacências. Uma inegável nostalgia perpassa toda obra... Um tempo sem as complicações mentais que convertem crianças inteligentes e criativas em seres confusos, tímidos, chatos, tagarelas, pomposos, pedantes e imbecis. Nâo é o caso de Márcio, claro, pelo simples fato dele ser uma pessoa que, através da arte, ter conseguido resgatar um pouco da poderosa pureza da infância.
Tempos inocentes, em que Geisel era apenas uma grande figura no álbum de figurinhas. Em verdade, Márcio obteve um grande êxito artístico ao descrever a infância sem cometer quase nenhum "maduro" juízo de valor. Difícil isso. E honesto. Transformou o livro não apenas num escrito pessoal, mas numa obra de valor social, que pode ser estudada para se analisar o pensamento formador da sua geração.
As influências são claras: John Fante, Bukówski, Reinaldo Moraes, Salinger, o teatro de Bortolotto; ou melhor, o livro de Márcio está imerso nessa mesma corrente estética. A linguagem despojada, vibrante de franqueza e ironia, permite o autor resgatar a lógica perdida da infância. Uma lógica diferente, original, uma lógica pré-política digamos assim.
Acho que devia falar também sobre os aspectos antropológicos que circulam a obra de Américo. Nota-se, de cara, a opção pelo apolítico. Se é consciente ou não, isso não vem ao caso, pois é absolutamente natural e legítima. As referências ao ambiente histórico refletem apenas o ponto-de-vista inocente da personagem principal: o narrador-criança.
Nota-se também, de forma pungente e quase lírica, uma grande denúncia social em todo livro. Uma denúncia muito calma, de quem entende as vicissitudes da história e acredita, sem fanatismo, na força da liberdade .
Mamãe não quero ser prefeito, dizia Raulzito, e acredito que é isso que o livro de Márcio transmite também: uma necessidade angustiada de enxergar o mundo com mais pureza e liberdade, desvencilhado das armadilhas do dinheiro e das relações de poder.
Terminemos com palavras bonitas, como convém: uns fazem guerra, outros fazem amor. Não é preciso dizer qual a escolha de Márcio.
Daspu
Quando tiver uma boa imagem do desfile em mãos, eu substituo)
Sexta fui no Parangolé, bloco dos artistas plásticos, na praça Tiradentes, em frente ao Centro Cultural Hélio Oiticica. Rolou o primeiro desfile da grife Daspu, da Ong Davida, composta por prostitutas dos arredores da Praça Tiradentes. Quem fez o som foi a banda Apax, liderada pelo poeta multimídia Ericson Pires.
Conversei bastante com o pessoal do Imaginário Periférico, um grupo forte de artistas plásticos que residem na periferia do Grande Rio.
O bloco Parangolé vai ensaiar toda sexta. Promete boa diversão. Dêem uma sacada no site da Daspu. Também vale olhar esse site aqui, da Ong Davida. E esse. Esse também.
meu poema famoso
Detalhe, já se passaram treze anos, estou com trinta. mas o poema continua atual. É um poema bom para ser lido em voz alta. um poema oral.
Com vocês, "O Fantasma da Puta" .
Mais uma aventura na Lapa
Estou cá lendo o último livro do Marçal, Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, e acabei lembrando de uma boa história para esse blog. Tenho notado que os leitores sempre gostam das crônicas, sobretudo quando as histórias tem um lado tragicômico. Aconteceu na quinta-feira passada, na Lapa.
Estávamos rodando os bares da Riachuelo e chegamos à Sinuca, último botequim aberto àquela hora. Na esquina da Riachuelo com a Lavradio, vimos um conhecido num debate animado com um policial, os dois em pé. Aproximei-me e disse ao policial que o cara era gente fina. Por um momento, havia pensado que o cara estava se explicando por alguma merda que tivesse feito.
O policial disse que estavam tendo um papo filosófico e seguimos tranquilos, levemente surpreendidos com o ineditismo: um pm com cérebro.
Ledo engano.
Dentro da sinuca, algumas cervejas depois, senti uma avassaladora vontade de tossir. Todos começaram a tossir. Saíram todos da sinuca, tossindo e lacrimejando.
Lá fora, o mesmo policial, risinho escroto no canto da boca.
Duas garotas estavam agachadas, com as mãos no rosto, chorando.
E um conhecido nosso vociferando contra o policial.
Fiquei assistindo a cena e senti vontade de fazer alguma coisa. Tensão no ar.
Dei um passos na direção do policial, sei lá o que me passou pela cabeça. Levei um jato de pimenta na cara. Por sorte, fechei bem os olhos e segurei a respiração. Não teve efeito em mim.
O cara continuava gritando para o policial.
- PORRA SEU COVARDE, OLHA SÓ O QUE VOCÊ FEZ! JOGOU PIMENTA EM DUAS GAROTAS! DUAS GAROTAS!
Ele estava discursando, e o policial calado. Achei que aquilo não ia dar certo. Peguei o cara e fui tirando ele dali. Na verdade, eu ainda não sabia que o policial tinha feito aquela barbaridade com as garotas. Pensei que o cara estava se excedendo.
Fui empurrando ele à força até a esquina. Só que eu tava tão bêbado que esqueci por um momento porque estava fazendo aquilo e, dado a situação (estava segurando o cara), tentei lutar judô com ele. Depois, me lembrei do policial e usando uma psicologia barata de botequim, mandei:
- DESCARREGA EM MIM. BRIGA COMIGO!
O cara conseguiu se livrar de mim e voltou para onde estava o policial. Continuou vociferando. Eu fui embora com meus amigos, que alegaram a falta de vínculos nossos com aquele história toda.
No dia seguinte, acordei com ressaca e desmemoriado. Sentei diante do computador para trabalhar (pego no batente antes de tomar o café da manhã). Quando recebo mensagem MSN de um amigo meu, dizendo que tinha sido preso na véspera, naquela confusão.
Então fiquei sabendo do final da história: o policial autuou as duas garotas, o amigo vociferador e esse amigo meu, que não sei como entrou na história. Entraram no camburão e foram fichados na delegacia, onde o policial conseguiu impor uma versão completamente diferente da história.
Meu amigo disse que ainda vou ter que depor como testemunha...
poemas selecionados
Novidades:vários poemas tem link para gravação do poeta recitando.
Eis os poemas selecionados, junto com alguns mini-contos, que deverão compor meu livro cujo título ainda está em aberto. Todos foram escritos de março até agora, durante um período - até novembro - particularmente difícil da minha vida, dormindo no chão do kitnet, sem dinheiro pra nada, o óculos colado com durex. A situação agora está melhor, graças aos deuses, e a um providencial emprego. A edição será independente. Não sei se todos os poemas realmente entrarão no livro, devo cortar alguns e incluir outros.
Estou republicando-os para ter a opinião de vocês. Todos os comentários, mesmo em posts antigos, chegam em meu email.
A poesia não paga o aluguel do meu apartamento (com áudio)
O carnaval vencerá a crise
Tristezas
sherazade
A poesia se come crua
Os romances que nunca serão escritos (com áudio)
Sonetos criminosos (com áudio)
crises políticas
Terrorismo
Versos da guerra
Antes que chegue a primavera (com áudio)
Duas poesias
Mais um poema boêmio
Quando o vazio da noite escorrega da minha boca
A dor de ver o sol chupando manga
A dor extraordinária sob os escombros da insone metafísica
Degenero ao sol da minha crise
Por que os poetas não gostam de política?
Mais um poema vadio
O lobo do homem
Elefantes, moleques e travestis
Poema anti-intelectual
Angústia pós-maldita
Anti-românticos suicidas
Hora marcada
O cão e o nariz
Romance botequinal
Triste dia de sol
Dejetos de um luxo carioca à sombra de satânicas flores azuis
Incendio
Rua do Rezende
O anti-bar
Mistérios sem cafeína
Inveja anônima (com áudio)
hora marcada
com suas asas cor-de-café
bebeu-me o sangue
como quem sorve
uma caneca de cerveja
ah, o tempo
é quase tão lindo
e cruel
como o Rio
visto do alto
à noite
a revista veja
denunciou o tempo
disse que ele foi visto
fumando maconha
num churrasco
de amigos
na ilha do governador
ah, tempo
deixa pra lá
você há de durar
a eternidade
a veja
morrerá
na puberdade
eu e o tempo
costumávamos brincar
de guerra
um dia, roubei
a arma de meu pai
e puxei o gatilho
morreu o tempo
às sete horas da noite
no meio da praça cruz vermelha
rodeado de mendigos curiosos
e banhado pela luz
dourada
de um poste
os anti-romanticos suicidas
nem prometeram fidelidade
não se casaram
não se envolveram em política
escreviam frios
poemas
sofisticados jogos
de palavras
sem o mínimo calor
a paixão
o crime
o sentimento punk
eram objeto de seus escárnios
o desespero
a angústia
para eles, temas vulgares
queriam o poema
insosso como a vida
classe média de seus (poucos) leitores
irritavam-se
porque ninguém os queria ler
muito menos comprar seus livros
apesar de tantos amigos
matérias de jornal
pagação de pau universitária
até que um dia
o poema encheu o saco
rompeu as cadeias
que o prendiam a seus patrões
foi sambar na favela
ficar bêbado na lapa
paquerar as garotas
jogar sinuca
entabular conversas
densas
sobre literatura e politica
sem viadagem
sem hipocrisia
sem repetir
escrotamente
as babaquices da veja
ou da cientista política
lucia hipollito
o poema ficou livre
pobre, vagabundo, marginal
e nunca foi tão erudito
nunca amou tanto os clássicos
Dante, Homero, Milton, Dickens
nunca foi tão amigo
dos poetas contemporâneos
dos que estão vivos e sofrendo
suavemente
as delícias e as dores
das madrugadas
a poesia vem da janela
escuto rádio
o vento fazer barulho na janela
não penso nada
apenas divago
suavemente, como quem espera
nascer um poema
angústia pós-maldita
os sonhos, numa poça
nojenta de sangue
antes de morrerem
eles gritam
ambulâncias desvairadas
o amor e o desespero
enfiam as unhas
pintadas de vermelho
na carne do sol
inimigo
e arrancam nacos
de músculos
e vomitam de dor
e desamparo
é claro que morrem
os sonhos,
todos os sonhos
morrem
devem mesmo morrer
para que de sua morte
nasça uma força mais sólida
uma rebeldia mais dura
um amor mais real
e mais inteligente
morram sonhos!
morram, como porcos,
como cães doentes
e raivosos
morram e levem
junto todos aqueles
que não sonham
nunca sonharam
cobaias da mídia
ratos das elites
medíocres do Brasil
morram os sonhos
mas não morra a esperança
não morra o ideal
nossos olhos estão abertos
os braços estão tesos
estamos prontos
para a briga
Recados importantes
***
Fiz uma entrevista maravilhosa com o escritor carioca Luis Eduardo Matta, pessoa simpaticíssima e gentil. Acho que foi a melhor entrevista que fiz até agora e desconfio que não dei o destaque que merecia. Confiram.
***
Ajeitei o conto do Nazarian, publicado no Arte & Política. Estava com um erro de formatação, agora está legal.
***
A escritora Andrea Del Fuego convidou o blogueiro a participar do lançamento do seu livro Nego Tudo, na Mercearia São Pedro, em Sampa, no dia 13/12, às 20:30, sem hora pra acabar. Queria muito ir, será que que eu vou?
***
O poeta Antonio Diamantino, um dos mais ilustres frequentadores do blog, está para lançar um livro de poemas, o qual talvez seja prefaciado com palavras hellbarianas.
***
O site Arte & Política vem batendo recorde de visitação, tendo chegado a 793 visitas únicas na sexta-feira passada (2/12). O tempo médio que os visitantes gastam (ou investem) no site também cresce, está em 10,58 minutos em média.
poema anti-intelectual
Raridade no Hell Bar Sebo
O Rio é o lugar com mais sebos por metro quadrado. Já comprei um livro de contos do Kafka por 1 real. Aliás, vocês não acreditariam nas pérolas que encontrei por aí por preços insignificantes:
- Contraponto, de Aldus Houxley - R$ 1,00.
- As aventuras de Mr.Pickwick, de Charles Dickens - (escambo por um best seller inominável que ganhei de presente)
- Dentro da noite veloz, Ferreira Gullar - uns R$ 2 ou R$ 3.
E muitos outros que não me lembro.
Quando estive em Salvador, conversando com o Jorge Ferreira e o João Filho, dois poetas sanguibão que compartilhavam o perrengue num apartamento emprestado do centro, eu ouvi suas histórias sobre a falta de sebos, livrarias e bibliotecas na capital baiana. Então, mais uma vez tive um puta orgulho de minha cidade, o velho Rio, com seus milhares de sebos e centenas de bibliotecas. Pena que a maioria se concentra nos bairros próximos ao centro e zona sul. Periferia é periferia, como diz o Mano Brow.
No entanto, às vezes desconfio que os sebistas e livreiros são obrigados a vender tão barato simplesmente porque não há tantos leitores. Bom pra caras como eu, que conhecem o que é bom.
Tenho lido muita coisa nesses anos todos. Poucas são tão vibrantes e divertidas e despretensiosamente profundas e atuais como os contos e poemas do velho bêbado. Aliás, a imagem de bêbado dele foi sua maior defesa contra o sistema. Buk viveu tempos duros, a CIA e o FBI cercando e matando uma porrada de artistas considerados "revolucionários". Posando de bêbado, Buk conseguiu atravessar ileso um período bem perigoso. A prova disso está aqui, onde se revela os arquivos do FBI sobre o escritor, na época em que ele escrevia para o jornal hippie Open City.
É preciso não esquecer também que ele viveu uma época em que o uso de drogas, leves ou pesadas, atingiu um nível tão alto entre jovens e artistas que um sujeito que apenas bebia era coisa rara. A própria longevidade do Buk, que morreu com quase 80 anos, já é uma prova de que a bebida não faz tão mal assim, sobretudo quando é usada por um espírito criativo.
Engraçado é ver que o Buk, pelo seu jeito escrachado e irreverente, acabou virando o ídolo de toda galera esquerdista, maconheira, porra-louca dos Estados Unidos. E acabou tirando sarro de todo mundo em seus livros, apesar de que seu ódio principal era mesmo pelos caretas, velhos ensebados, reacionários hipócritas. No mesmo conto em que desanca o estilo hippie, por exemplo, ele volta suas baterias para as velhas que criticam os "excessos da juventude".
quem não ouviu ainda essas velhas que vivem dizendo: "oh, acho simplesmente ATROZ o que essa juventude anda fazendo por aí, com todas essas drogas e sei lá Mais o quê! que coisa horrível!" e aí a gente olha pra ela: sem olhos, sem dentes, sem cérebro, sem alma, sem bunda, sem boca, sem cor, sem ânimo, sem humor, sem nada, apenas um sarrafo ambulante, e a gente fica pensando o que o chá com bolinhos, a igreja e a bonita casa de esquina fizeram por ELA. E os velhos às vezes ficam bem agressivos com o que uma parte da juventude anda fazendo - "que diabo, trabalhei DURO a vida inteira!" (eles acham que isso constitui uma virtude, quando a única coisa que prova é que o sujeito não passa de um perfeito idiota) "esse pessoal quer ganhar tudo sem fazer NADA! passando o tempo todo sentado pelos cantos, estragando o corpo com drogas, esperando viver às custas da riqueza da terra!"
aí a gente olha pra ELE:
que dúvida.
está só com inveja. foi tapeado. perdeu os melhores anos se fodendo todo por aí. o que gostaria, mesmo, era de cair na gandaia. se pudesse recomeçar a vida. só que não pode. por isso agora quer que os outros sofram como ele sofreu.
O velho Buk sabia muito bem de que lado estava. Hoje fiquei lendo alguns textos do Buk na internet, nesse link aqui (com traduções) e nesse outro aqui. Especialmente essa entrevista aqui (em inglês), feita pelo ator e poeta (!) Sean Penn. Essa outra, publicada na revista Rolling Stones, também é legal. Quanto à biografia acima e a história do Sebo Bar, foi mais uma Pegadinha Hellbariana. Mas quem sabe um dia?
Regina Buarte quis casar comigo
Bem, depois de tantas loucuras, vocês não vão acreditar mais em mim... eu sei. Mas agora juro que é verdade.
Primeiramente, para efeitos legais, quero deixar claro que isso ocorreu há mais de cinco anos, antes de eu desfilar com esse lindo anel no dedo...
Conheci a Regina Buarte numa festinha chique aqui do Rio, para a qual consegui convite através de amigos de amigos de amigos. Na verdade, nem imaginei que ela estaria presente. Nem digo que não iria se soubesse que ela estava, mas iria com muito menos entusiasmo.
O fato é que lá estava eu servindo meu uísque envelhecido 75 anos quando uma voz conhecida me pede:
- Por favor, querido, me sirva também.
Lá estava ela, a suprema majestosa imperial sorridente cagona tarada MEGERA.
O pior de tudo é que ela estava até bonita pra caralho, quer dizer, bonita pra buceta. Ah foda-se, bonita pra caralho mesmo, afinal mulher fica bonita é para o caralho, não? Ou assim deveria ser, ao menos...
Lançava-me ela um sorrisão capaz de aniquilar vinte e cinco mil árabes e oito ou nove marines americanos.
Servi o uísque e, enfeitiçado por alguma bruxaria, comecei a conversar com ela como se conversasse com a Camila Pissanga. Ela me contou uma série de coisas engraçadas: qual óleo usar em caso de sexo anal, os oitenta mil reais que recebeu uma vez de um fazendeiro do mato-grosso para chupar a pica aidética dele e, por fim, convidou-me maliciosamente para ir à varanda contemplar a vista.
A vista era tão bela! Acabei me apaixonado pela Regina Buarte, trocamos telefone e decidimos nos encontrar numa lanchonete no dia seguinte (ela queria ver um filme de Godart mas eu era fã de Legião e resolvir fazer o papel do Eduardo).
Vivemos um delicioso relacionamento que durou dois meses. Tudo ia às mil maravilhas até o momento em que descobri que a Regina Buarte era... HOMEM!
Eu já estava estranhando sua mania de só fazer sexo anal. Uma noite, eu estava de saco cheio daquilo. Estava sedento por uma xota. Usei a força bruta e obriguei-a a virar-se e mostrar-me a xaninha.
Resultado: topei foi com uma pemba roxa, peluda e ainda por cima dura!
Foi demais. Depois daquilo tive que fazer análise por vários meses, com uma analista mulher (e jovem e bonita) naturalmente.
É aterrorizante pensar que ela quase me convenceu... a casar na Igreja. Tenho vergonha de contar, mas eu por um triz não aceitei, pensando no dinheiro da bruxa. Escritor é uma merda, vocês sabem. Entrevista pra cá, pra lá, prêmio na Flop, matéria no Grobo, no Estadinho, na Folhete, mas dinheiro que é bom, neca!
Mesmo assim, sinto-me muito melhor. Pobre, mas livre da megera!
Não devia contar aqui, o que mais me enojou foi que, além de ser travesti, a Regina Buarte tinha outro segredo: uma tatuagem.
Sim, uma tatuagem....
Tatuada no traseiro branquelo e pelancudo...
Sabem de quê?
Uma frase tão escrota... Assim:
"Dando a bunda, a vida fica mais e mais... profunda!"
Toda Nudez Será Castigada
A peça de Rodrigues tem produção luxuosa, no bom sentido. Trilha sonora, luzes, movimento, dança. Os atores são excelentes.
Botei esse post aqui porque fiquei aborrecido com a crítica destrutiva da Barbara Heliodora. Tô meio sem tempo de escrever agora. Leiam mais nesse link aqui.
O sucesso bate à porta
Primeiramente, não entendi bem. Uma voz feminina arrastada disse:
- Bom dia, senhor Miguel do Rosário?
- Quem deseja falar com ele?
- Aqui é da Editora Planeta.
Legal, não? O negócio é que, como eu estava muito sonolento, entendi "Banco Banespa" (esqueci até que esse banco não existe mais), e desliguei o telefone apavorado, pensando que era mais um credor furioso me perseguindo.
Eles me ligaram novamente e eu, já compreendendo melhor a situação, fui tomado de súbita inspiração empresarial e imaginei que essa era oportunidade de fazer um contrato milionário.
- Escuta, tenho que falar com minha agente. Estou recebendo muitas propostas e tenho que analisar qual será a melhor. Mande-me um email.
Duas horas depois, toca a campainha. Fui atender e vi, pelo olho mágico, uma mulher muito magra e elegante. Era a Luciana Villas Boas, manda-chuva da editora Record. Eu a conhecia de uma foto no jornal, que inclusive havia recortado e colado na cortiça, sonhando com esse dia.
- Bom Dia, senhor Miguel do Rosário?
- Bom Dia, Luciana Villas Boas?
Ela abriu-se num sorriso amanteigado quando escutou seu próprio nome vindo da minha boca.
- Eu mesma. O senhor teria um minuto para mim?
Logo percebi que minha tática de desdém estava correndo sério perigo. Diante do charme daquela mulher, eu era capaz de me distrair e assinar qualquer contrato. Preparei um café e começamos a conversar sobre literatura. Eu estava hipnotizado e levemente aterrorizado com o que ia acontecer, quando fui salvo pela entrada triufante da Priscila, que havia ido fazer compras no supermercado.
- Quem é essa sirigaita?
Não tive tempo de explicar. A Pri andava numa fase particularmente ciumenta e, quando viu a Luciana de pernas cruzadas diante de mim, teve uma crise violenta e começou a gritar improprérios tremendos. Eu também gritava, tentando esclarecer tudo, e a balbúrdia ficou completa.
A elegante Luciana ergueu-se, muito dignamente, dirigiu-se à saída e saiu, batendo a porta com força. No corredor, havia um grupo de representantes duas outras grandes editoras: Rocco e Companhia das Letras. Dispensei os caras da Rocco, dizendo que se o Paulo Coelho os largou é porque boa coisa eles não eram, e recebi o grupo da Companhia das Letras. Eles haviam trazido um grupo de dançarinas para me fazerem uma proposta em forma de canção.
A Pri, nessa hora, começou a compreender seu erro e, terrivelmente embaraçada, disse que estava atrasada para a aula de teatro e saiu. Dei-lhe um beijo na boca e falei para ela não se preocupar, estava tudo bem.
- Você me ajudou. A Luciana estava me enfeitiçando...
- Humm... Tchau, beijinho.
Fiquei só com o pessoal da Companhia das Letras. As meninas dançavam e cantavam. A letra dizia algo assim:
- Venha, Miguel, ficar com a gente.
Nós trataremos muito bem de você.
Com a gente você vai se dar bem.
Com a gente todo mundo vai te ler.
Elas começaram a tirar a roupa, exibindo corpos perfeitos. Eu estava cansado de confusão e pedi para os executivos interromperem o show. As meninas ficaram um pouco chateadas, mas obedeceram e sentaram-se no canto, recusando-se a se vestirem novamente. Pensei que aquilo fosse mais uma técnica das grandes editoras para distrair escritor na hora de fechar um contrato.
Um dos executivos - eram cinco no total - aproximou-se de mim e começou a me explicar formalmente a proposta da Companhia das Letras.
Eu não estava conseguindo me concentrar com aquelas moças semi-nuas sentadas a um canto, mas não queria aborrecê-las mais ainda. Resolvi beber o vinho que havia na geladeira. Ofereci a todos mas se recusaram. Comecei a beber no gargalo, acintosamente, enquanto eles falavam comigo.
Uma das garotas começou a rir. Depois passaram a beijar-se umas às outras. Eram quatro e estavam agora totalmente nuas. Em questão de segundos, iniciaram uma verdadeira orgia lésbica. Eu olhava para o rosto dos executivos, atônito, esperando que tomassem uma atitude. Um deles pediu para ir ao banheiro; quando se virou, vi o rabinho escapando-lhe por baixo do terno.
Acordei suado, tremendo. A Pri passava um lenço molhado em meu rosto.
- Meu amor! Você está ardendo em febre!
Poema de Antonio Diamantino
E bocejam entorpecidos, nus, impregnados
Serenas atrocidades de orquídeas defloradas
Gatos que ejaculam em telhados proibidos
Fenomenais interações tecnológicas
Dos grandes lábios em plasma cibernético
Explode a bomba em bíblicas passagens
E come o câncer no sabor da tua pele
Sem perfídias ilusórias,
Rostos conhecidos
Bêbados de sono
Embriagam-se de vida
E cantam
Amontoados ritmos
De coisa alguma em gosto de odisséia
E o terror da via-crúcis
De cada beijo esperançado
E a verdade em cada copo
O arquivo morto
E depois mumificado
E a simbologia incoerente
Em numerologia da desgraça
E é só!
(Antonio Diamantino)
Manhãs
- Quem é você porra?
- ...
A porta se abriu e uma mulher de aparência muito agradável entrou no quarto. O fato de estar nua da cintura pra cima ajudava a compor a paisagem.
- Bom dia, amor.
De repente, tudo começou a fazer sentido. Estava em casa, o cachorro era meu e a mulher era minha esposa. Pensei: tá bom, a mulher é bonita, o cão não é de se jogar fora, mas pelo amor de Deus, não me venha com um casal de moleques...
Gelou-me o sangue ao escutar uma zoeira vindo dos fundos do apartamento.
Os escritores - pequena novela auto-satírica
A história começaria mais ou menos assim:
Bom dia, Clara (já que você é minha única leitora, posso cumprimentá-la pessoalmente). Ontem passei a noite inteira navegando pela net. Estou organizando a pesquisa. Primeiramente, estudarei somente sites, depois passarei para os blogs. Ontem acessei dezenas de revistas eletrônicas de literatura. Notei que existem, basicamente, dois tipos de revista. Um é o tipo "puta", desculpe o termo, mas é perfeito para sintetizar o que quero dizer. Esse tipo dá para todos, publica qualquer um que envie texto, ou quase todos. Seus arquivos de contos e poemas acumulam uma quantidade incrível de contribuições. Neste segmento, há o Garganta da Serpente, o Releituras, o Paralelos, o Jornal de Poesia. Não me parece que haja um critério muito rigoroso de seleção.
O outro tipo de site é mais voltado para publicações de colaboradores fixos, apesar de aceitarem também, em menor escala, contribuições. Temos o Patife, o Bagatelas, o Storm.
Temos alguns tipos que merecem menção especial, porque fogem das definições acima expostas. Como o Bestiário, revista mensal de contos e o Cronópios, que é bastante aberto à colaborações, mas publica principalmente textos das mesmas pessoas. O Arte & Política também tem essas características, sendo que os textos do próprio editor, Miguel do Rosário, são os mais repetidamente publicados. E por falar no Rosário, gostaria de chamar sua atenção para esse jovem escritor carioca, que produz poemas, contos e crônicas com frequência e intensidade invejável. Eu entrei em contato com ele e marcamos um encontro numa cervejaria. Depois lhe conto como foi.
**
Bom dia Clara. Hoje estou com uma ressaca horrível. Fui me encontrar com o tal Miguel do Rosário, numa cervejaria que ele mesmo escolheu na Lapa, e acabei me excedendo no consumo de álcool, por isso não espante com a conta que lhe mandei em email anterior. Bem, é o seguinte. O tal Rosário é uma pessoa extraordinária, até certo grau de alcoolismo. Parece ter lido todos os livros e conta histórias fabulosas que lhe aconteceram ou não lhe aconteceram como ninguém. É uma pessoa bem excêntrica, a começar pela aparência: é cego de um olho e manca da perna direita. Mesmo assim, não deixa de ser elegante e, porque não dizer, até bem atraente. É alto e muito magro, com feições algo vulgares que lhe conferem uma certa virilidade. Digo tudo isso porque você me pediu, mas não sei o que isso tem a ver com a linha editorial da empresa.
Por sua conversa, notei que ele se interessa muito por artes plásticas e cinema. Trouxe-me também um grosso maço de papéis com seus poemas. Disse-lhe que só nos interessávamos por contos e romances, mas ele fez questão de recitar-me algumas poesias.
Também trouxe os originais de seu primeiro romance, Parabellum, uma história muito louca de um cineasta que decide fazer um filme sobre Lampião, o cangaceiro, e descobre que há um tesouro enterrado em uma fazenda do Sergipe.
Aí fomos bebendo, bebendo, até que saímos daquele bar e fomos dar umas voltas na rua e escolher outro boteco. Ele levou-me até a esquina da Riachuelo com a Lavradio e sentamos-nos num bar cheio de putas e travestis. Aí a coisa começou a degringolar.
Sem nenhum motivo aparente, ele começou a me ofender, da forma mais gratuita e grosseira. Mandou-me tomar no cú e acusou-me de ser um vendido para o capitalismo mais rasteiro do terceiro mundo. Bateu a mão no peito e se auto-intitulou "anarquista republicano". Disse que não queria se vender a nenhuma editora estrangeira e que iria publicar ele mesmo seus próprios livros. Falou assim mesmo: "não quero saber de porra de editora grande nenhuma. Vão se fuder! Você e sua chefe escrota!".
Um final de noite lamentável. Nem me dignei a responder uma estupidez daquele quilate. Fiquei muito frustrado porque o rapaz tinha me parecido, a princípio, bastante inteligente. Como pensa ele em ganhar a vida com literatura, se já começa xingando seus editores? Só pode ser burro ou doente mental. Levantei-me, deixei um dinheiro para pagar a conta, chamei um táxi e fui embora. Pela janela do carro, ainda o vi fazendo um gesto obsceno para mim. Enfim, o rapaz tem talento, mas sem nenhuma condição de ascender socialmente ao mundo dos escritores famosos.
Hoje à noite vou me encontrar com um outro jovem escritor desconhecido. Seus textos não são lá grande coisa, mas me parece que é muito mais educado. De qualquer forma, continuo pesquisando. Até mais.
Entrevista com Santiago Nazarian
Elefantes, moleques e travestis
Jam Session nas paradas
Ah, e tem mais: veja um artigo meu, já bem antigo, sobre a Rio Jam Session, da época em que ela rolava no Tá na Rua.
Orgia sangrenta no baile funk
Fiquei tão fascinado pela garota dançando que ela acabou percebendo, e passou a lançar-me olhadinhas maliciosas que deixaram meu pau mais duro do que já estava. Junto com duas amigas, ela veio se aproximando e, sem que eu percebesse, postou-se junto à mim, dançando ainda, e dando leves encostadas na minha área mais sensível.
Eu não queria sair dali nunca mais. Senti falta de uma cerveja, mas deixei pra lá. De repente, sinto alguém me puxar pela mão. Era uma das amiguinhas tesudas da menina à minha frente. Arrastaram-me para um canto escuro do terreirão onde rolava o baile. Uma delas, a que eu reparara primeiro, abriu-me o zíper e com a mão direita puxou meu pau pra fora. As outras duas beijavam-se uma à outra, e uma delas levantou a camisa e mostrou duas belas e grandes tetas.
Enquanto isso, a menina chupava-me o pau com um talento incrível. Tive que me esforçar para não gozar logo nos primeiros segundos. Segurei-me e curti sensações que me causavam estremecimentos tão fortes que a menina parou de chupar e olhou-me curiosa e preocupada. Ao reparar que não era nada, voltou a chupar. Eu revezava meus olhos entre a boca carnuda sugando-me o cacete e as duas gostosas se agarrando, uma delas chupando os peitos da outra, que se masturbava com os dedos enfiados para dentro do shortinho branco.
Estava quase quase gozando quando senti o cano gelado da pistola encostado na nuca. Não me virei, nem broxei. A garota continuou chupando, indiferente. A voz grossa e má conseguiu mesclar ao meu tesão um terror desesperado.
- Aí meu chapa, tu é guloso héin? Pegou logo três. E logo as três gatas do chefão...
Não pude evitar um gemido alto quando gozei, não podia suportar mais. Gozei com medo, o que produziu uma química estranha, e nem por isso menos poderosa. Também senti um gosto de sangue na boca. Pensei ter morrido, mas logo vi que o sangue não era meu. O cara que me apontava a arma tinha levado um tiro. A garota das tetas de fora segurava um pequeno revólver calibre 22 e tinha uma expressão de infinito ódio.
- Esse babaca sempre atrapalha nossas transas. Não aguentava mais.
As outras riram alto. Puxei as calças, fechei o zíper e me retirei discretamente.
Pinturas da Rose
Os corpos de Rose, contorcidos, Bacanianos, noturnos, que absorveram tanta emoção que se tornaram carcaças que deixaram de ser vivos e viraram estandartes da dor. A dor como beleza, expiação do sofrimento, através da expressão gráfica, gestos afirmativos em seu desespero, são como raio-x do dilaceramento da alma, visto sem filtro e sem pudor. O traço que explode e gruda na superfície do papel, assim como a emoção que violentamente gruda na pele dos corpos, transformando seus ossos, carnes e membros num símbolo da condição de angústia do ser.
Por Juliano Guilherme
Lampião revivido
Gostei muito da peça. Achei que Áquila faz uma exímia interpretação. Mas a Priscila achou terrivelmente chato. Eu entendo. É uma peça histórica, que agrada apenas a quem conhece ou se interessa pelo assunto. Faltou mais ação, mais história, mais trama. Contudo, é uma peça responsável, que dá conta da complexidade do tema, que envolve banditismo, revolta social, amor, paranóia, poder. Em nenhum momento, o texto vulgariza-se. Os diálogos são eficientes na reconstituição do vocabulário sertanejo, pecando talvez um pouco somente no início. A peça mostra que a força lírica e política de Lampião continua atuante. Mesmo morto, a chama da revolta lampiônica continua iluminando as mentes mais inquietas do país.
Azougue Editorial, 2004, 70 páginas
É o livro mais louco que li na vida. Surrealismo pungente. Tratado psicodélico sobre a dor. Viagem alucinante pela mente perturbada de um carioca da zona sul. Perfeito como vacina anti-moralista. Na verdade, se colocássemos tudo que pensamos num livro, o resultado seria a coisa mais escatológica do mundo. E não é que o Botika fez isso? As cenas são tão poderosamente escabrosas que não dá nem para repetir aqui. A insânia é tão grande que vira arte. Botika escreve como se fosse morrer amanhã, resgatando a legítima tradição rockeira do carioca. É tão louco que chega a ser político. Dá medo. Dá vontade de rezar para que Botika nunca implique com a gente. Uma prova que a arma mais perigosa de todas continua sendo a palavra.
A balbúrdia das madrugadas boêmias
Ontem tive a oportunidade de declamar poemas no palco alternativo do Circo Voador, no Festival Poesia Voa, organizado pelo poeta Tavinho Paes. Estavam lá, também declamando, os poetas Edu Planchez, Brasil Barreto, Guilherme Lessa, Sideral, a Priscila Miranda.
No palco principal, a surpresa foi o talento musical de Botika, rapaz de 22 anos que publicou, pela Azougue, o incrível romance "Autobiografia de Lucas Frizzo", que tocou violão e cantou, em conjunto com Ericson Pires, poeta multimídia e gente boníssima
Também no palco alternativo, o grande Mano Melo marcou presença. O escritor Dau Bastos apareceu para o abraço. Doei meu conhaque para os poetas e parti. Minha noite tinha começado cedo, com o Encontro Bagatelas, na livraria Dantes, no Cine Odeon.
O começo da noite: vodka, garrafas quebradas e poemas interrompidos
Já devidamente animado pelos espíritos russos que habitam a vodka, e entusiasmado com o Festival de Poesia rolando ali do lado, convoquei os comensais a escutarem um poema de minha autoria. Puxei do bolso os papéis e esbarrei numa garrafa vazia sobre a mesa, que caiu e quebrou. Um dos presentes tentou transformar o fato em motivo para que eu calasse minha voz e guardasse a viola no saco. Para provar que uma garrafa quebrada não pode matar a poesia, quebrei outra garrafa, de propósito, mas dessa vez causando uma certa comoção em mesas adjacentes, sobretudo numa onde estava um argentino muito abusado que disse uma grosseria.
Puxei uma cadeira com o intuito de destruí-lo (na verdade um blefe), e fui devidamente segurado por inúmeros braços pacifistas. Alguém declarou em alto e bom som, vamo-nos embora. Escutei pasmo uma salva de palmas ao redor, e o grito de Fica! Fica! A glória! Não tenho certeza, porém, se isso foi alucinação...
Uma senhora de uma mesa ao lado ergueu-se e veio me dar um beijo, pedindo-me delicadamente que ficasse. Em sua mesa, mais três pessoas me olhavam com carinho infinito, provalmente pensando: esses poetas são todos meio doentes, coitados... o que é a mais pura verdade (por pouco não uno meu destino a meu tio do post anterior...)
Enfim, foi uma noite felicíssima. Viva a poesia e a balbúrdia das madrugadas!!!
Exposição no Museu Bispo do Rosário
Ontem estive na Colônia Juliano Moreira, que ficou famosa mundialmente por ter abrigado o artista Bispo do Rosário. Neste domingo haverá a inauguração de uma exposição de arte contemporânea e eu fui lá acompanhando meu amigo Nilton Pinho, que levou alguns trabalhos seus e de outros. A exposição faz parte das comemorações dos 80 anos do instituto municipal Juliano Moreira, que fica em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro.
Na Colônia, conversei com Ricardo Aquino, diretor do museu, que me explicou seus planos para o futuro. Ele me disse que a idéia da Nise da Silveira, com o Museu do Inconsciente, instalado pela psicóloga no Centro Psiquiátrico Pedro II, CPPII, no Engenho de Dentro, precisa ser superada. A arte produzida por pacientes atingiu um grau de respeitabilidade tão grande que precisa sair da esfera psiquiátrica e ganhar o mundo. Por isso, ele quer fazer do Museu Bispo do Rosário um centro de arte contemporânea, coisa que a zona oeste do Rio não tem. Aquino nos apresentou, a mim e ao Nilton, alguns artistas plásticos clientes da Colônia que estarão participando da exposição. É sempre emocionante ver como pessoas das mais humildes condições sociais, e ainda com problemas mentais, arrostam todas as dificuldades para se dedicar à missão de produzir arte.
Eu me comprometi a fazer uma reportagem e uma resenha sobre a exposição, que fica na Colônia por um tempo. Aquino também enviou-me artigos e manifestos sobre o tema, os quais publicarei na próxima edição do Arte & Política.
Veja aqui um link para uma reportagem sobre a exposição.
Mais um poema do Buk
O jorgito desenterrou mais uma pérola do Buk. Aliás, vale a pena navegar no blog do Jorge Ferreira (link ao lado), que prossegue produzindo belos poemas e posts inteligentes.
Leia aqui o poema do velho Bukówski
Breves palavras sobre a coleção Cabides Descabidos, de Nilton Pinho
Lição de casa se aprende na rua. Tire do guarda-roupa suas melhores idéias. Viva na rua seus amores de casa. Falar de Nilton Pinho é falar do cara que inventou uma vacina para não se encaretar. A vida é uma só e não somos bichos. Democracia, política, imprensa, tudo isso é muito bom, mas a arte é muito mais antiga e muito mais importante e duradoura. Nilton foi beber na rua os micro-universos que povoam cada obra sua, cada cabide enlouquecido, triste, apaixonado, eufórico. Cada cabide tem sua história, sua malandragem, sua religiosidade. É isso, Nilton é uma espécie de profeta do caos e da infinita beleza do Rio e suas mulheres.
Nascido e criado na Ilha do Governador, para onde está sempre voltando em busca de conforto espiritual, e onde aprendeu a temperar a paranóia urbanóide com uma temperança calculadamente provinciana, antenado com as tendências mais antigas e mais modernas das artes visuais, Nilton Pinho conseguiu transformar a luta de classe numa guerra pessoal contra os fatores que estorvam a liberdade do artista, que talvez sejam parecidos com aqueles que estorvam a liberdade de todos.
Cabides, bonequinhas de plástico, fotografias abandonadas, imagens sacras, anúncios antigos, transformam-se, valorizam-se, ganham dimensão artística, potência estética, significado político, existencial, psicológico, sexual.
Os cabides de Nilton fugiram da realidade monótona, escura, abafada dos armários. Chapéu, cigarrinho no canto da boca, sorriso matreiro e olhar duro, eles contemplam atentamente o gingado da vida brasileira.
Mal Estar Contemporâneo Blues
“Se eu me mexer, ele foge. Aí eu fico louco”, raciocino.
Pensar, é só o que podes fazer agora, digo de mim pra mim. O pássaro vermelho é tua consciência. A água é a vida.
Pego o revólver debaixo do travesseiro e atiro no pássaro.
O lago escuro
e se fosse uma chance
perdida
rolando sobre rochas
de sangue e caindo
sobre montes de lixo
romântico
com olhar sujo
e íntegro
que se liquefaz
em sonhos
de mar e guerra
invenções ferozes, como
ela ao acordar sem mim
quem sabe o futuro
de vetustas solidões
sangrentas hipocrisias
que lhe espera à sala
escura e vibrante da TV?
e se fossem mães
tão puras
que se transformam
em dóceis cães do inferno
porque são boas
e os bons ardem
no inferno do mesmo jeito
e se fosse uma chance
jogada fora
furiosamente, como alguém
que fugisse do hospital
para viver seu câncer
longe das camas
esterelizadas e do olhar
pegajoso dos inimigos
é sempre melhor fugir,
mergulhar no lago
do sofrimento
e afogar-se
como quem
escapa da morte e vai
lutar,
absurdamente,
outra batalha.
Recife me espera
Bestiario com edição nova & otras cositas
Parati lá vou eu
Descobri o Claudinei
Manhãs de sol
acordo ainda sonado
trazendo nos olhos
um sonho inacabado
lembranças de lagos
com cheiro de maresia,
dúzias e meias de escamas
espalhadas por todo canto.
tenho a exata impressão
que seguia a canção do vento,
caminhando, sem ranger os dentes
por atalhos de algodão.
Terei mais um dia mareado,
ocupado em afastar essa cisma
de trazer nas bocas das manhãs
um estranho sabor de sal.
Brasil Barreto
Eros Urbanos
Jamais imaginei
um ser completo
de largos risos
seios alvos
como a luz
intenso brilho
reverso do teu cio
ao longe me seduz
teu corpo, clara lua
teu rosto meu desvario
sutil silhueta anil
como as curvas exatas
das margens calmas
na fluidez desse rio,
afluente que deságua
em beleza semi-nua
pelas negras pálpebras
dessas longas ruas
Eros Urbano, Brasil Barreto
Os poemas de Brasil Barreto
Aos poucos, irei compartilhando com vocês a beleza e força e rebeldia de seus poemas.
Hoje, publico esse:
Insônia
Parte do meu corpo
insiste em dividir-se,
meu lado esquerdo
completamente adormecido,
aquece minha carcaça.
Enquanto meus tormentos
declinam à minha direita.
Surgem revelações noturnas
de pálidas belezas,
nos remetendo a tempos
de profundidade estelar,
a pontos luminosos sem idade.
Tropeçamos em noites de insônia
avalanches de eternas indagações,
- quantos de nós haverão na cidade?
(Brasil Barreto)
Parceria com Bagatelas
Cariocas quase vizinhos, decidimos unir forças em prol de insubversivos e nada insulsos projetos.
Estarei publicado entrevistas e textos mensalmente na Bagatelas site, e na revista impressa Bagatelas, a ser lançada em dezembro.
Confiram a edição de novembro da Bagatelas! Nós entramos lá com uma transvívida entrevista com o neofrezóide escritor João Gilberto Noll. E há muito mais coisa lá: 2 crônicas diárias, por 2 autores. Contos mensais. Vão lá.
bagatelas.net
Ah, e não esqueçam do Concurso Internacional de Contos Bagatelas! É de graça!
Sarau Literário e Exposição na Lapa
Amigos, estou divulgando aqui o Sarau Literário & Visual no ateliê do Alexandre Alves e do Edson Silveira. Haverá exposição do Helcio Barros, poesia, música, etc. Estarei lá.
Data: 5/11 (próximo sábado), a partir das 18 horas
Endereço: Rua Francisco Muratori 38/102
(sequência da Rua Gomes Freire, em Santa Teresa)
Realização: Alexandre Alves, Clívia Reis e Edson Silveira
A poesia dá sede
Tem livros que nos encorajam a continuar do jeito que somos: filhos-da-puta, delirantes, sensíveis, tarados. E claro, bêbados em toda a plenitude, em toda filosofia e liberdade e alegria que há por trás dessa palavra. Bêbado, bêbado, bêbado. O livro de Moraes é um livro bêbado, maravilhosamente bêbado.
O personagem principal orgulha-se de ser um dos mais finórios vagabundos de Paris. Caga pra política, caga pra moral, caga pra alta literatura, enfim, vai no banheiro de seu estudiô e caga tão firme e forte que a merda se transforma numa peça de grande beleza, num sonoro e cheiroso hino de liberdade.
A edição que caiu-me nas mãos, editora Azougue, com sardônico pósfácio do Bortolotto, foi devorada com aquela voracidade metafísica que o Bukówsvki sentiu quando descobriu John Fante.
É um livro que nos tira do sério, nos faz querer, com vontade de criança chorona, toda a nossa ingenuidade de volta, toda a felicidade perdida de uns anos 70 vivido intensamente em quase todo mundo e que aqui foi merdado por uns milicos reaça e sem imaginação.
Dá vontade de ir pruma festa, ouvir bob dylan, stones, lou reed, charlie parker, chico buarque, gil, rorô, encher a cara de uísque, dar uns tapas, beijar a garota mais bonita e ir pra casa fazer amor com o caos.
Falar o quê? Moraes comprovou a tese de que arte não é conceito. Arte é intuição. Diversão. Liberdade. Não dá pra repetir trechos aqui. Não tem graça. Você tem que ler no contexto. Como vou convencer vocês que a cena em que Ricardinho (o protagonista) está transando com uma estrangeira e observando o camundongo no canto do quarto, que isso é muito bom?
De resto, o autor nos lembra que a melhor defesa contra o caretismo, a violência, o tédio, é o ataque: atacar uma cerveja, um papo, uma mulher, um base, um filme, um passeio sem direção pelas ruas de São Paulo, Rio, Porto Alegre ou Paris.
Moraes traduz, em brasileirês claro, a lírica libertária, inconsequente e viril dos escritores beatniks, com a malemolência, o humor, a doçura e tolerância tão nossa... tão bossa...
Nascido em 1950, o autor tem hoje 55 anos, certo? Pois então, aí vai o convite: caro Moraes, se ainda conservas alguma fração daquela energia transbordante da época em que escrevestes esses livros, empresta ela um pouquinho pra mim, essa alegria de viver, que eu quero sair de casa agora, me transformar no Cristo Redentor e mijar aliviado e sarcástico em todas as famílias-tradicionais-proprietárias da Zona Sul.
Agora, é claro que vão tentar usar o Tanto Faz para fazer apologia da cabeça oca. Nos anos 70/80, quando todo mundo era esquerdista-engajado, Moraes era meio maldito. Mas suas idéias sobre o mundo, o porra-louquismo centrado no próprio umbigo triunfou e os jovens de hoje pegam frases do Tanto Faz, como "quem precisa da história, essa puta velha assassina?", para justificar sua atitude resignada e mesmo francamente reacionária perante o mundo.
Tanto Faz é arte, é um canto desesperado de liberdade. Assim como ele desprezava os hippies-engajadinhos-riquinhos-emburrados de sua época, também não lhe agradaria virar ícone dos iúpizinhos engomados, com suas loucuras burocráticas de fim-de-semana e suas teses histéricas e rancorosas sobre a esquerda. São a sombra neo-conservadora dos mesmos sectários que outrora enchiam o saco dos artistas. O protagonista de Tanto Faz está acima de toda essa politicagem barata. Está fumando um back às margens do Sena ou do Tietê, contemplando o sol copular com o horizonte.
dias nublados
são tão pavorosamente institucionais
que o céu parece vomitar
professores letárgicos
carinhas chatos
que falam demais
meninas de bigode
e preconceito
contra poetas
saio de casa e me despeço
da utopia encouraçada
e violenta
com a qual me embriaguei
por toda a noite
todos os dias,
amplio os horizontes
da minha fuga
o dia amanhece
seco e industrial
as favelas destilam
seu veneno fantástico
em garrafas
vendidas
a preço de ouro
aos vampiros
do Jornal Nacional
hoje não estou muito bem
sintonizado com o mundo
as perspectivas profissionais
que sonhei na véspera
hoje me parecem duvidosas
não sei se quero
estar vivo o tempo todo
quero voltar para casa
dormir como um deus
exausto, após
orgias desmesuradas
quero dormir, sonhar
com a glória negra
dos mártires anônimos
quero descansar sobre
esta mesa,
faltar todos os compromissos
beber todas as cervejas
a que não tenho direito
depois sair à rua, berrando
como um cavalo,
um peru louco,
olhando a aurora
sangrar sem dor
e as favelas
cantarem
sem desespero
Bandidos no Odeon
Experiências
Na fase mais aguda da minha crise financeira, fui assíduo frequentador de livrarias, onde devo ter irritado algum vendedor mais caxias com minha insistência em confundir livraria com biblioteca. Passava até mais de três horas lendo um livro mais recente. Interessei-me bastante, por um tempo, por alguns policiais norte-americanos. Vi muita coisa interessante. Impérios em decadência, historicamente, sempre produziram boa arte.
Entre os argentinos, li uns contos de Ricardo Piglia e sou fã incondicional de Ernesto Sábato, sobretudo de Heroes y Tumbas, romance delirante em que o personagem principal, Fernando Vidal, entrou para minha galeria pessoal dos grandes personagens do século. Dispensem-me aqui de falar de Cortázar e Borges.
Paul Auster e Philiph Roth me deram alguns momentos de lazer. Li esparsamente muita coisa desses dois autores, e com especial atenção (tendo inclusive comprado os livros) Leviatã (de Auster) e a Marca Humana (Roth). Não me impressionaram muito, apesar de reconhecer a destreza rítmica e o controle narrativo dos romances. O que incomoda nos norte-americanos em geral é que a consciência do mal e da injustiça, neles, sempre me parece ingênua, sobretudo quando leio o noticiário policial daqui.
Já fui admirador do Mario Vargas Llosa, tendo lido quase tudo dele. Hoje estou enjoado do Llosa, acho que percebi que ele se tornou meio clichê.
Ontem saí de casa à tarde, em busca de um espaço tranquilo para ler um pouco. Como trabalho em casa, às vezes me enche o saco ficar olhando para as mesmas paredes, parece que o cérebro pára de funcionar. Ia dizendo, fui a um bar aqui perto (moro num bairro com mais bares que gente), com um jornal e um livro de contos do Stephen King. Dei uma fugaz folheada no Globo, o suficiente para me convencer que não valia a pena me estressar lendo porcaria, e parti direto para o King, depois de pedir uma Antartica ao barman.
O livro foi adquirido no sebo, por módica quantia, e está no original, o que me traz o pensamento tranquilizador de que, se estou lendo merda, pelo menos estou aperfeiçoando meu inglês.
Tomei apenas uma cerveja, li o conto e voltei pra casa. Guardei o King e peguei na estante o "Aventuras do Sr. Pickwick", romance de estréia de Charles Dickens, tradução de Otávio Mendes Cajado.
Esse livro é de fazer você mijar de rir. Os pickwianos são cavalheiros londrinos que viajam pelo interior da Inglaterra em busca de histórias, diversão e aventuras. Acabam se metendo em situações tão grotescas e hilárias que a leitura fica difícil, pois é interrompida (pelo menos no meu caso) por acessos incontroláveis de riso.
No fim de semana, li um trecho de Flexa de Ouro, do Joseph Conrad, na livraria Letras & Expressões. Antes de sair, tive que fazer uma ponderada meditação para me consolar de não poder, nesse momento, comprar esse livro. Sou fã alucinado de Conrad, assim como o sou de Jack London.
Finalizo com outras dicas literárias: O suicídio do governador Antônio Menino, de minha autoria; e, para quem aprecia o estilo bukowskiano, os contos de Mão Branca, disponíveis nessa edição do Arte & Política.
Juliano Guilherme, o último humanista
Mistura teu sangue às tintas, dissolve a pasta com lágrimas amargas, e pinta teu último delírio. Estão todos esperando, na sala larga e iluminada, pelo término de tua obra, não para apreciá-la, mas para devorar-te, a ti, artista louco, tão louco que se intitula humanista. Imagina, ah! Humanista? Em tempos de pós-modernismo, em que o cinismo tornou-se tendência estética e estilo literário? Não importa. Não tem respeito às modas, não é? Prossegue pintando, como outros se dedicam a produzir armas, e à noite, vai aos bares, distrair a mente com doses excessivas de cerveja.
O quê? Que humanismo pensas que pode haver nessas carnes destroçadas, nesses violentos contrastes que usas, impudentemente, nessas telas bêbadas, como poetas gingando sob a chuva?
Não percebes que a vida te consome, que o céu está se abrindo em desvarios sangrentos para te receber em tua plenitude dolorosa?
Não vê o mundo rindo doidamente, mostrando dentes amarelos e roxos, apavorantes caninos, vampirescos, à espera de um passo em falso para te conduzir, gentilmente, ao inferno?
Vamos, descansa, desiste. Lança fora o pincel e mergulha na escuridão da história. Apague-se enquanto é tempo. Faça como os outros, vá engraxar as botas de Lúcifer...
Noite no Mineiro, conversando sobre artes plásticas
Sábado chuvoso no Rio. Juliano Guilherme passou aqui em casa para eu ajudá-lo a fazer seu novo Book de pinturas. Depois, fomos bater um papo no Mineiro, em Santa Teresa. Acima, O Torso, uma de suas telas mais interessantes. A Priscila e uma amiga estão estudando uma possível exposição de Juliano em Paris, em junho do ano que vem, patrocinada por um empresário francês.
O ouro de Moscou
O lado positivo é que o PT, com uma diretoria novinha em folha, está recuperando sua capacidade de luta, seu espírito de combate, sempre necessário na política. O PCdo B, recém-saído de um Congresso em que confirmou sua diretoria, também está fortalecido. As CPIs não encontraram, até agora, nenhuma prova de "maior corrupção de todos os tempos". Com a queda de Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, em função de seu envolvimento com o esquema de Marcos Valério, com participação do mesmo Duda Mendonça, o tucanato entrou em parafuso. Isso sem falar na matéria da Carta Capital desta semana, denunciando a corrupção pefelista na Bahia.
Está cada vez mais explícito que setores reacionários estão patrocinando uma guerra sem lei, escrúpulos ou limites contra o presidente eleito com 53 milhões votos. É o desespero. Mas a história não é burra. A reportagem serviu para a Embaixada de Cuba, negando veementente qualquer interferência no processo eleitoral brasileiro, manifestasse apoio à Lula e repúdio às forças reacionárias que operam ao longo de toda América Latina, visando desestabilizar governos não-alinhados à política direitista de Washington.
Jam Session reúne poetas cariocas
A Rio Jam Session, ocorrida na última quinta-feira, reuniu vários poetas e colaboradores do nosso site Arte & Política, e outros que atuam em outros territórios. Estavam lá os poetas Brasil Barreto, Guilherme Lessa, Jean (versos da meia noite), Planchet, além do artista plástico Juliano Guilherme, autor da pintura acima.
A festa, como sempre, começa a esquentar bem tarde e foi até quase de manhã. Eu tive que me retirar mais cedo, por razões soporíferas e financeiras, mas voltei feliz com a sinuca jogada no primeiro andar da casa e em saber que mais um lugar de resistência cultural ganha vida no Rio de Janeiro.
O Alfândega 7, no endereço do mesmo nome, terá eventos de quarta a sexta. Lembrando: fica quase em frente ao Centro Cultural Banco do Brasil, num prédio de esquina da rua da alfandega com a primeiro de março. Os ingressos estão sempre na faixa dos R$ 5. A Rio Jam Session vai rolar toda quinta-feira.