Lapa ontem e sempre

A Lapa continua crescendo. Bares são inagurados toda semana, cada vez mais sofisticados, sem aquela decoração brega e burguesa dos bares de Ipanema ou Barra. Os empresários que estão investindo nessa parte da cidade entenderam que é preciso seguir a estética local. Cultiva-se o antigo, o decadente, sem os banheiros sujos de outrora. Na esquina da Lavradio com a Mem de Sá, havia um bar chamado Sete Portas, que era o pé sujo mais mal-afamado da região, frequentado por travestis, traficantes, ladrões e malandros de toda espécie. Às vezes, a gente acabava por lá, quando todos os outros bares haviam fechado.

Hoje, esse bar foi todo reformado, está com aparelho de ar-condicionado, paredes de vidro.

Na Mem de Sá abriram várias casas de show muito boas, algumas já tem um par de anos, como o Carioca da Gema, o Sacrilégio. Outras são recém-nascidas, como a Estrela da Lapa, o Cariolapa. Na Lavradio, há o famoso Rio Scenarium, agora com três andares e diversos ambientes, todo decorado com antiguidades, estátuas, pinturas e objetos de arte. Entrar no toalete do Rio Scenarium é como passear numa galeria de arte, além de ser mais cheiroso e limpo que minha sala.

Essa é a nova Lapa. Nos ultimos anos, não tenho aproveitado quase nada, pela falta de grana. Meu point tem sido um botequim sujo, ainda frequentado por travestis, na esquina da Riachuelo com a Lavradio, onde a garrafa de Antartica custa 2 reais. Tem sido tempos difíceis. Um ano dormindo no chão, seis meses com óculos colado com durex. Com o novo emprego que arrumei, porém, espero aproveitar melhor minha Lapa querida.

Não fico triste com a evolução da Lapa. É melhor assim. A quantidade de empregos gerada na região tem sido imensa. Só de ambulantes vendendo cerveja, cachorro quente, refrigerante, caipirinha, são milhares. E a Lapa é democrática. O coração popular dela continua sendo a Joaquim Silva, que foi onde a Lapa renasceu.

Tive oportunidade de ser testemunha da história da Lapa nos últimos 10 anos. A Lapa andava esquecida, frequentada apenas pelos locais, travestis e malandros. Por volta de 1998, fui conhecer os artistas plásticos do Casarão, ali perto da rua Taylor. Conversamos e fomos tomar uma cerveja na Joaquim Silva. Era uma segunda-feira, e começava a acontecer ali uma roda de samba, em frente ao bar de Seu Cláudio. Vários músicos hoje famosos, como o Gallotti, participavam dessa roda.

E assim a Lapa foi se expandindo por toda a Joaquim Silva. No meu conto "O Evangelho Segundo um Vendedor", eu retrato o apogeu da Joaquim Silva, quando havia cinco ou seis pontos de música diferentes na rua.

Entretanto, mesmo com todo esse desenvolvimento, a Lapa continua a mesma. Por ser um lugar totalmente democrático, assassinos, traficantes e ladrões também frequentam o local. É muito raro haver assalto por essas bandas, mas um acerto de contas é comum. Por ser um ponto de encontro, muitas vezes inimigos mortais se encontram por ali e vão as vias de fato. Acho que foi isso que aconteceu ontem à noite.

Estava eu muito bem, em pé, tomando minha cerveja e esperando aparecer alguém conhecido para conversar fiado, quando vejo um cara na rua ser baleado. Tudo muito rápido. O assassino fugiu correndo subindo a Ladeira de Santa Teresa, que sobe em caracol por trás dos Arcos. Por um impulso louco quase fui atrás do assassino, mas um conhecido segurou-me pelo braço e me trouxe de volta à realidade:

- Tá louco, meu? Deixa o cara fugir. Isso é problema da polícia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Miguel,
Parabéns pelo seu texto, uma verdadeira crônica sobre a Lapa.
Aproveito para convidar você e acompanhante para curtirem uma noite com boa música no Rio Scenarium. Escolha a data e envie-me um e-mail para que eu possa deixar o seu nome na recepção.
atenciosamente,
Plínio Fróes rioscenarium@globo.com.

Miguel do Rosário disse...

Obrigado Plinio, é uma honra tê-lo entre meus leitores.

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