Crítica a contragosto ou Dom Casmurro pós-moderno
Breve comentário à guisa de prefácio: antes de fazer esta resenha ou crítica, li os artigos de Paulo de Toledo, publicados no Cronópios (seção Mezanino), apontando os erros e os acertos de uma boa crítica. Não deu para seguir tudo ao pé da letra, mas pelo menos, cometo os erros conscientemente. É um avanço.
"Ah, Joana, te amo tanto", Mirisola
Uma bela tarde, estava numa livraria e queria ler algo do Mirisola. Como não havia nenhum romance dele na loja, perguntei pela coletânea Geração 90: os transgressores. Ali mesmo dei uma fuçada no material. O Mirisola entra com um dos melhores contos, Rio Pantográfico. A linguagem é lírica, aberta, fluida. As frases se sucedem em espirais (da mesma forma que os boquetes de Joana...). O uso de digressões e contrastes dá uma cadência dissonante e poética ao texto de Mirisola.
Quando fiquei sabendo do lançamento de Joana a contragosto, aguardei o momento de ter o livro em mãos. Não tardou a acontecer. Editora grande é outra parada, consegue distribuir o livro em toda parte. Li com calma, assimilando o lirismo amargo, venenoso, intenso, carregado do velho sarcasmo dos tímidos inveterados.
Observei uma grande proximidade entre a literatura de Mirisola e a de João Gilberto Noll, sobretudo dos últimos livros deste, como Lorde e Berkeley em Bellagio.
Os dois vêm investindo na construção de um personagem-narrador, um alter-ego, que vive o romance com a mesma espécie de surpresa e espontaneidade de uma pessoa viva. A busca da frase poética, da frase lírica, também é comum aos dois, sendo que os dois conseguem, e isso é o mais difícil, eliminar quase todo clichê que o lirismo às vezes implica.
As estratégias de Mirisola para fugir do lugar-comum e subir os degraus da originalidade são bem singulares: sarcarsmo, ironia, luxúria, o bom e velho cinismo. Com esses ingredientes, Mirisola descarrega todo romantismo represado em suas entranhas. O fato do romantismo sair tão deformado seria apenas a contaminação natural da metrópole e sua radiações de crueldade e sujeira.
É um livro sobre o amor, uma história de paixão entre o escritor-narrador e uma moçoila carioca de 20 anos. Cumpre observar que o romance teve ainda esse sabor especial de ser quase todo ambientado no Rio de Janeiro, apesar de tratar-se eminentemente de um romance psicológico com pouca descrição de cenário, apenas algumas pinceladas básicas de Rio. Até nossa evangélica governadora é citada...
No último capítulo, Mirisola dá uma dica sobre as influências bibliográficas do livro. Ele compara Joana à Capitu, a famosa personagem de Dom Casmurro, do Machadão. É claro! Assim como Bentinho, o protagonista de Joana a Contragosto curte uma paixão obsessiva por uma mulher misteriosa. Como Bentinho, cujo ar sorumbático lhe vale o apelido de Dom Casmurro, o escritor MM também é triste, solitário, rancoroso. O "eu" literário de Mirisola tem raízes em solo machadiano.
"Amizade o caralho", diz MM para sua amada. O que vale não é o equilíbrio e estabilidade de uma amizade. Não quando se trata de uma mulher que amamos. Com isso, Mirisola parece repudiar o próprio equilíbrio e estabilidade no texto literário. Não, ele quer a paixão, mesmo que esta resulte em sofrimento e numa terrível frustração. Sim, ele quer o texto inquieto e entusiástico, como as paixões. Surpreendente. Como a própria tesão (no livro, ele põe tesão no feminino). Se faltar tesão? Ah, diz o triste MM, a tesão... isso a gente inventa...
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3 comentários:
ops. tb quero ler este livro...
Miguel, passei por aqui e topei com esta leitura do Joana a Contragosto. Sou fã mesmo do Mirisola e já escrevi sobre todos os livros dele - só falta mesmo o Joana. Bela leitura. O Mirisola, acredito, é o grande nome da narrativa brasileira contemporânea. E você acertou na mosca, ele está bem perto do Noll, mas ainda mais perto do Hnery Miller, do Bukowski, dos beats, só que mais degenerado e com uma escritura ainda mais vertiginosa. Longa vida ao Mirisola. E a ti. Abração.
Olá, descobri teu blog através do site Cronópios. Achei um tanto interessante o livro, ainda não tenho conhecimento, mesmo assim o fato da personagem ter o mesmo nome que o meu já me desperta curiosidade.
Ao mesmo tempo, o fato de ele ter uma certa conotação J. G. Noll,me desagrada um pouco- não que eu não goste dele, pelo contrário- mas acho que Lord foi uma escrita um tanto forçada, ou então.. foi pura disconcentração minha sobre o assunto.
abraço.
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