Joyce revisitado


Tenho um livrinho com a biografia do James Joyce, que traz informações divertidas sobre o famoso irlandês. Aos vinte anos, uma figura de sobretudo surrado, olhar desafiador, cigarro no canto da boca, aparecia a porta dos teatros alternativos de uma Dublin efervescente, miserável, brilhante, agitada, religiosa e profana.

- Eu sou James Joyce, dizia e entrava de graça, já que se tratava de figurinha conhecida dos meios artisticos, vagabundo notório, sempre duro e sempre interessado em todo o tipo de arte: teatro, plásticas, poesia, romances.

O livro Retrato de um Artista Quando Jovem, primeiro romance de Joyce, é considerado um dos mais importantes livros de formação. Misturando ficção à realidade, Joyce exorcisa seu passado, sua família, religão, política. As discussões políticas do livro são memoráveis. Lembro de um trecho em que os membros da família de Joyce discutem política e religião durante um almoço. Uma senhora carola assiste à reunião incomodada com o tema. A mãe tenta evitar a todo custo que se discuta política à mesa. Alguns prelados católicos importantes mostravam-se dispostos a aderir à causa unionista, ou seja, à renúncia da luta pela independência política da Irlanda. Uma luta que durou milhares de anos e que custou tantas vidas aos irlandeses. Joyce não pôde se furtar a sofrer as consequências dessa luta, que empobrecia as famílias não ligadas à nova burguesia anglófila.

Joyce aprendeu a odiar a política, provavelmente porque observou que todos os lados tinham seus canalhas e seus interesses escusos.

Voltando à discussão à mesa, um dos tios de Joyce dá um soco na mesa e grita:

- Se a Igreja não ficar ao lado da Irlanda, então dane-se a Igreja.

O pai de Joyce aprova emocionado a frase. A carola se levanta, indignada e sai da casa. O pai e o tio de Joyce caem no choro, emocionados pelo espírito patriótico.

Os Dublinenses, primeiro livro de Joyce, traz contos escritos com precisão clássica. Retrato do Artista já contém alguns dos elementos perturbadores que irão caracterizar Ulisses, talvez aí com certo excesso. Excesso sim, mas muito bem calculado para produzir um acontecimento artístico e representar um golpe profundo no convencionalismo.

Escrevo esse texto para realizar o blog-diálogo com o Tiago Muzulon, que está em Londres, mergulhando no universo joyciano, no original e ao vivo.

2 comentários:

Tiago Muzulon disse...

Poxa, seus comentários sobre o Joyce foram muito sensatos, a parte da discussão na mesa, depois de um tempo de família separada, é épica. Obrigado pela citação.

Roberto Iza Valdés disse...
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