Há palavras suficientes para todos nós

Esse texto foi traduzido pelo Douglas Kim, lá de São Paulo. Foi reproduzido no blog do Bortolotto (link ao lado). Merece vir aqui também, afinal ler o Buk é como tomar uma gelada num dia infernal.

MINHA LOUCURA

Por Charles Bukowski

Existem graus de loucura, e por mais louco que você seja, mais óbvio será para as outras pessoas. A maior parte da minha vida eu escondi minha loucura dentro de mim, mas ela está lá. Por exemplo, algumas pessoas falarão para mim sobre isso ou aquilo e enquanto essas pessoas estão me entediando com suas generalidades banais, eu irei imaginá-las com a cabeça, dele ou dela, descansando sob a guilhotina, ou vou imaginá-las em uma enorme frigideira, fritando, enquanto me olham com seus olhos assustados. Em situações reais como essas, eu provavelmente tentaria um resgate, mas enquanto elas estão falando comigo eu não consigo imaginar isso. Ou, com um humor melhor, eu poderia imaginá-las andando de bicicleta longe de mim. Eu simplesmente tenho problemas com seres humanos. Animais, eu amo. Eles não mentem e raramente tentam atacá-lo. Às vezes eles são espertos, mas isso é permitido. Por quê?

A maioria da minha juventude e vida adulta foi em quartos minúsculos, confortável, olhando as paredes, as sombras rasgadas, as maçanetas dos armários. Eu sabia da fêmea e a desejava, mas eu não queria tentar atravessar as dificuldades para consegui-la. Eu sabia do dinheiro, mas de novo, como com a fêmea, eu não queria fazer as coisas necessárias para consegui-lo. Tudo o que eu queria era suficiente para um quarto e para algo para beber. Eu bebia sozinho, geralmente na cama, com todas as persianas fechadas. Às vezes eu ia aos bares checar os tipos, mas os tipos eram os mesmos – não muito e freqüentemente menos do que aquilo.

Em todas as cidades, eu conferi as bibliotecas. Livro depois de livro. Poucos livros disseram algo para mim. Eles eram, na maioria, poeira na minha boca, areia no meu pensamento. Nenhum se relacionava comigo ou com o que sentia: onde estava - nenhum lugar - o que tinha – nada – e o que queria – nada. Os livros do século somente eram feitos do mistério de ter um nome, um corpo, andando, falando, fazendo coisas. Ninguém parecia preso com a minha loucura particular.

Em alguns dos bares eu fiquei violento, havia brigas nos becos, a maioria perdi. Mas eu não estava brigando com ninguém em particular, eu não estava bravo, eu só não entendia as pessoas, o que elas eram, o que faziam, como elas pareciam. Eu ia preso e saía, era despejado dos quartos. Dormia em bancos de praça, em cemitérios. Eu estava confuso, mas não era infeliz. Não era depravado. Só não conseguia entender nada do que existia. Minha violência era contra a óbvia armadilha, eu estava gritando e eles não entendiam. E mesmo nas brigas mais violentas eu olhava para o meu oponente e pensava, por que ele está bravo? Ele quer me matar. Aí eu tinha que socar para tirar a besta de mim. As pessoas não têm senso de humor, elas são tão sérias a respeito de si mesmas.

Em algum lugar, e eu não tenho idéia de onde vem, eu pensava, talvez eu devesse ser um escritor. Talvez eu possa escrever as palavras que eu não li, talvez fazendo isso eu consiga tirar o tigre das minhas costas. E assim comecei e décadas passaram sem muita sorte. Agora, eu era um escritor louco. Mais quartos, mais cidades. Eu afundei e afundei. Congelando uma vez em Atlanta em uma barraca de papelão, vivendo com um dólar e vinte cinco cents a semana. Sem encanamento, sem luz, sem aquecimento. Congelando com minha camisa californiana. Uma manhã eu achei um pedaço de lápis e comecei a escrever poemas nas margens de velhos jornais no chão.

Finalmente, aos 40, meu primeiro livro foi lançado, um pequeno livro de poemas, ‘Flower, Fist and Bestial Wail’. O pacote de livros chegou pelo correio e eu o abri e aqui estavam os livrinhos. Eles se esparramaram na calçada, todos os livrinhos, e eu me ajoelhei sobre eles, estava de joelhos, e peguei um ‘Flower Fist’ e beijei. Isso foi há trinta anos atrás.

Ainda escrevo. Nos primeiros quatro meses deste ano eu escrevi 250 poemas. Eu ainda sinto a loucura me atravessar, mas ainda não tenho a palavra do jeito que a quero, o tigre ainda está nas minhas costas. Eu vou morrer com aquele filho da puta nas minhas costas, mas eu lutei. E se há alguém louco o suficiente para querer ser um escritor, eu diria para continuar, cuspir no olho do sol, acertar o principal, é a melhor loucura, os séculos precisam de ajuda, os tipos gritam por luz e apostam na alegria. Dê isso a eles. Há palavras suficientes para todos nós.

6 comentários:

Anônimo disse...

O BOM E VELHO BUK.

Anônimo disse...

aí miguelzinho, como é que vai? Tudo bem? Ae, conhece isso aqui?

http://www.cortica.org/

acho que cê vai gostar...

Abraços!

Miguel do Rosário disse...

tudo bem, primo, mas vamos evitar os diminutivos, porque tanto eu quanto você já somos dois galalaus, voce com 25 eu com 30. Valeu pela dica, gostei tanto que inclusive já coloquei na seção de Links do blog. abração!

Anônimo disse...

haahha tá bom Miguel! Eu não ia usar o diminutivo mas usei só de pilha mesmo : )

outro site que cê deve gostar:
http://www.gafieiras.com.br/

Abração!

Anônimo disse...

é isso aí miguel. valeu. abs.

Roberto Iza Valdés disse...
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