Tapa na pantera

Dá não. Planejava eu, ingenuamente, escrever um resenhão pra cada filme, tipo aqueles do Contracampo. Mas eles, da Contracampo, são muitos. Eu sou um só - pelo menos ainda não descobri meus outros eus por aí. O negócio é que a gente acaba vendo um montão de filme e não dá tempo de analisar, pensar e fazer uma resenha genial pra cada um. Deixa quieto. Podem ir lá na Contracampo mesmo. Tentei ser sério, metódico e enérgico, e fracassei. Quando chegar aos sessenta, quem sabe? Depois que inventaram o Viagra, beibes, nós homens vamos longe!

Bem, primeiro um grito de independência - para patentear o meu nível de amadorismo, desculpável talvez por ser deliberado. Vou publicar aqui! Já é um puta trabalho manter a meia dúzia de leitores deste blog, e agora você quer, mon amour, que eu publique meus textos no blog da Miroir? Não é questão de ser ingrato. Só porque, graças a você, ganhei credencial pra assistir todos os filmes? Só porque ganhei convites para todas as festas? Só porque você faz beicinho e dá beijinho? Ã?

Se deixar, o cara vira um lacaio da mulher. Ô bichinho autoritário, mulher. Dizem que Pedro I deu o grito de independência depois de levar um esporro: "vai logo lá, na beira daquele rio barrento, e dá a porra do grito, seu molóide", teria dito dona leopoldina-ou-seja-lá-qual-seja-o-nome-da-bigoduda.

Mas, se não formos nós, quem irá trocar as lâmpadas, abrir as latas de picles, instalar chuveiro elétrico novo, héin?

Corta! Corta! O papo aqui é cinema. Não tá na hora de fazer piadinha sem-graça e batida sobre a decadência do macho.

Vi um filme boliviano muito bom. Pobrinho, sem recurso nenhum. O cara deve ter gasto uns dez reais pra fazer. Todo digital. Cenas improvisadas. Muitos atores não profissionais. Mesmo assim, um filme bom, ousado, verdadeiro. Título original: Lo más bonito y mis mejores anos. Obviamente, os malucos que fazem tradução de título no Brasil tinham que dar seu tradicional pitaco infeliz. Ficou "O mais belo dos meus melhores anos". O diretor, tadinho, um belo mancebo de 26 anos de longas melenas cacheadas, tez morena e sorriso cativante (novamente, perdoem-me a viadagem, mas tenho que inspirar meu público feminino. Não quero só barbado catinguento lendo meu blog), o diretor procurou explicar que o título original consiste em duas orações independentes. Os tradutores, só de sacaganem, trocaram o "y" pelo "dos", como se não fosse nada. Imagina esses caras numa guerra? Seria o desastre. Lembro da minha professora de português contando a história do mensageiro que esqueceu de anotar uma vírgula na nota que entregou ao general romano. O general enviara uma pergunta ao imperador. "Devemos atacar agora os inimigos?", foi a pergunta. O general romano comandava um exército de 40 mil homens. Os inimigos tinham outros 40 mil. O imperador respondeu. "Não, recuem". O mensageiro esqueceu a vírgula e transmitiu: "Não recuem". O general perdeu 20 mil homens, a batalha e a vida.

Ai, essas digressões me matam. Ainda estão aí? Continuemos. O jovem diretor, quando terminou o filme, estava nervoso, sorriso preso. As palmas foram escassas e discretas. É um filme, dizia, tão pobrinho de recursos. Agora entendo porque os bolivianos acham que o Brasil é imperialista. Comparado com eles, nós somos mais ricos que os Estados Unidos. O PIB da Bolívia, já disseram, é menor que o da cidade de São Paulo - embora isso não signifique muita coisa, pois a população também é menor, 8 milhões de habitantes, e São Paulo é a cidade mais rica do Brasil.

Enfim, o diretor se chama Martin Boulocq e disse que, de uns anos pra cá, e média de produção de filmes na Bolívia pulou de 1 por ano para 5 a 8 por ano. Nem contei a história do filme, mas deixa pra lá. A história não tem tanta importância assim, é um filme mais artístico, visual, com boa trilha sonora. Tipo do filme que crítico gosta, mas não tem público. Achei corajoso o filme, mas bem que a câmera podia ser mais firme e a qualidade da imagem um pouco mais nítida. Parece que o cara filmou com a câmera mais vagabunda da praça.

Assisti também ao The wind that shakes the barley (ainda não traduzido, vamos ver que monstrengo vai sair disso em português), do Ken Loach. Hum, é um filme bem feito, mas acho que o público alvo é a galera de centro acadêmico das faculdades de história - e os críticos de Cannes, que o premiaram. O Ken Loach tá se repetindo. Gostei de Terra e Liberdade, Pão e Rosas, Meu Nome é Joe, mas esse aí ficou meio clichê. Os ingleses malvados. Os guerrilheiros heróis. Sei lá, me pareceu meio passado. Bem feito, mas piegas.

Vamo lá. A Comédia do Poder, de Claude Chabrol. Muito bom. Estilo francês, seco, tradicional, planos convencionais, roteiro excepcional, diálogos perfeitos.

(Tô ficando mais sucinto porque está tarde, meu braço tá doendo. Mas quero ir até o fim. Quero falar de todos que eu vi).

Edifício Yacoubian, filme egípcio pra exportação. Excelente. Bons atores, mas muito for export pro meu gosto.

Man Push Cart - do caralho. Iraniano se fudendo em Nova York. Meio tristonga, sem um final surpreendente, mas du caralho, como diz o Bortolotto. Os críticos profissionais, inclusive da Contracampo, estavam todos lá assistindo, anotando. Deve ser bom mesmo.

La Montaña Sagrada, de Alejandro Jodorowsky. Filmado em 1973. Puta que pariu. Loucura, mêu. LSD total. Simbolismo totalmente maluco. Muito bom. Louco, louco. Nem dá pra explicar. Só vendo. O cara exagera talvez. Mas nunca vi nada parecido. É camelo junto com mulheres nuas. Rinocerontes, tigres, criancinhas pintando a bunda nua dos outros. Cristo enchendo a cara. Esse a galera (a galera, não o Galera, o escritor) vai gostar. Parece um pouco cansativo no início, mas vai crescendo, vai inovando, cada hora um absurdo diferente, tudo com muita plástica. Influência óbvia do surrealismo. Vale até dar um tapa na pantera antes de assistir. Digo, vocês, que eu não faço mais essas coisas. (opa! aqui quem fala é o juiz federal Pinto Nino, o que você quer dizer com isso, Miguel? por acaso está incentivando... Não, não juiz. Tapa na pantera significa o cara fazer meditação transcendental alfa budista, de forma a ampliar os canais de percepção... etc, aquele filme do Youtube é que deturpou o sentido original da coisa. Ah, então tá, não vou mandar censurar seu blog, dessa vez passa, mas cuidado!).

É isso, por enquanto. Tem muito filme bom a partir de amanhã. Volto com novidades.

Um comentário:

Guilherme N. M. Muzulon disse...

ahuauhhuauha "meditação transcendental alfa budista" hauauuahuha - Bem, o sentido (deturpado) ficou mais aguado, né!

O filme parece legal.

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