Dissidência na Megatongas

Crônica escrita por Antonius Vanquise III, publicada no site Andrômedas do Passado, em 22 de junho de 5.201 DC.


Volto à minha coluna para contar a história da dissidência ocorrida na revista Megatongas, aquela mesma da qual eu falei meses atrás. Aconteceu em meados de 2006, quando os escritores Holgo Benário e Vira Chopes decidiram não mais participar da publicação.

Vira vinha, há algum tempo, enfrentando atritos com o editor de Megatongas, Confrócito, devido à mania deste de implicar com alguns termos usados por ela, e estar sempre posando de grande crítico literário. No início, Vira aceitava as críticas de Confrócito mas, depois de algum tempo, percebeu que se tratava de pura implicância. Por exemplo, ele queria que ela substituísse o termo “idiota” por “bobo”, e coisas do gênero.

Holgo Benário decidiu sair da revista em função de uma súbita tomada de consciência. Com as sobras orçamentárias da primeira edição da revista impressa, a Megatongas havia publicado o romance A Arte de Peidar, de Luiz Inácio Nogueira. Benário não viu problema porque confiava no gosto de Confrócito como editor.

Em São Paulo, onde fizeram o lançamento da revista impressa e do romance, Benário, instado por sua mulher, comprou o livro de Nogueira, pagando vinte reais. No dia seguinte, Benário deu início à leitura, e ficou muito decepcionado com a quantidade de erros encontrada logo nas primeiras páginas. Parou de ler, e foi estudar coisas mais interessantes. Até que lançaram um segundo número da revista impressa, e Benário reparou que o próprio editor, Confrócito, havia assinado e publicado uma resenha sobre o referido livro.

Pôs-se a ler a resenha de Confrócito e ficou estupefato com frases do tipo: “Nogueira é um escritor que tem o talento da escrita” e “Arte de Peidar está aquém e além do gênero policial”. Num primeiro momento, Benário ficou aliviado ao pensar que Nogueira fosse um escritor que tivesse o talento da escrita e não da prática do karatê ou do canibalismo, mas depois um sentimento de perplexidade foi crescendo no espírito de Benário e ele decidiu fazer uma leitura crítica e detalhada do romance em questão.

Foi uma experiência terrificante. O que mais espantou Benário não foram nem os milhares de erros de sintaxe e gramática, e sim a proliferação de clichês baratos, diálogos ridículos, cenas inverossímeis e muitos, muitos, erros e incoerências de estrutura de história e personagem. Abaixo, transcrevo manuscritos de Benário encontrados em seus arquivos, falando sobre o tal livro.



É inacreditável. Um exemplo pra vocês. Leiam esse trecho, faz parte do diário da personagem principal.

“O ar estava imóvel e a falta de ventos aumenta a angústia de quem sente muitas outras faltas. A paz era incômoda, a tranquilidade que antecede as grandes catástrofes”.

Bem, nunca soube que falta de ventos aumenta angústia de ninguém, nem que a paz fosse incômoda, mas isso não vem ao caso. O negócio que é havia falta de ventos, repararam? Pois bem. Logo depois ela continua:

“Otávio havia saído para dar sua caminhada habitual. Levantei-me para aumentar a potência do ar-condicionado central e ao passar pela janela, o parque me chamou a atenção.”

Ã? Não havia falta de ventos? Ah tá. Ela estava dentro de casa, com o ar-condicionado ligado. Até onde eu sei, isso implica em janelas fechadas e... ausência de ventos. Ok.


Saltarei as anotações que fiz para uma série de deficiências. Vamos às piores. Ainda no capítulo em que a viúva escreve em seu diário, ela descreve a cena em que conversa com um vendedor de côco, o Gérson, o homem dos olhos terríveis.

“Eu nunca sei mesmo a hora certa de mostrar minha cultura e falei: Isto me lembra Tchecov, o escritor russo que seria um médico frustrado se não fosse a carta de Grigorovitch, outro escritor, que o encorajou a se entregar à literatura”.

Trata-se de um diálogo totalmente estapafúrdio. Sei que as categorias da verossimilhança, tão defendidas por Aristóteles, já estão meio fora de moda, mas... puta-que-pariu! Tudo tem limite.

Ah, reparem como o autor pontua o diálogo, com ponto, aspas, ponto de novo, ou vírgula. É uma orgia de pontos e vírgulas e aspas. As aspas estão bêbadas, os pontos drogados e as vírgulas se aproveitam para bolinar todo mundo.

“Sim..”,,, lágrimas começaram a rolar pelo rosto da viúva. “Depois de matá-lo, ele levou o seu relógio, sua carteira e os seus sapatos. Ele é frio e cruel. Como uma lebre, encostou o revólver na cabeça do meu marido e fez os disparos. Foi uma execução covarde.”

Como uma lebre? Como uma lebre? Aí é foda!





Benário ficou atônito com tudo isso. Não compreendeu como Confrócito pôde publicar um negócio desses e ainda fazer uma resenha que começa, escandalosamente, chamando Nogueira de “talentoso”.

A resenha tem tantos erros que não ajuda em nada o romance. Benário cita uma frase da resenha: “Um suposto niilismo é evidente na obra”. Ora, se o niilismo é suposto, não poderia ser evidente. Questão de lógica. Mas isso é o de menos, diz Benário. Há outras pérolas. O texto é uma verdadeira bomba escatológica.

Irritado com o que lera, Benário decidiu se desligar do grupo. Alguns anos depois, lançou um livro que, infelizmente, foi ignorado pela crítica. Com trinta e cinco anos, morreu num acidente de carro.

2 comentários:

Anônimo disse...

caraio, que loucura, mêu! Donde tiraste essa idéia? Aí, estou lendo ficção científica, Isaac Asimov, já leu?

Sherlock

Miguel do Rosário disse...

Oi Sherlock, curto muito o Asimov. Tenho aqui Fundation and Earth. To afim de ler ainda esse mês. Abraço.

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