A crise editorial no Brasil

(Carlos Vergara)



Saiu hoje no Prosa & Verso, caderno do Globo dedicado à literatura, mais uma reportagem sobre a crise do mercado de livros no Brasil. O tema me interessa muito, por motivos óbvios e gostaria de discuti-lo um pouco com vocês.

A conclusão da reportagem, embasada nas entrevistas com editores e livreiros, e no estudo feito pelos pesquisadores Fábio Sá Earp e George Kornis, é de que o livro no Brasil é mais caro do que deveria ser.

Há uma tabela interessante publicada no jornal, com o índice de preço relativo do livro. O Japão é o país que vende livro ao preço mais acessível ao público, em proporção, é claro a sua invejável renda per capita de 32,23 mil dólares/ano. Ou seja, o japonês ganha em média cerca de 5,77 mil reais por mês. O Japão, por esta razão, foi usado como parâmetro, com índice 1. Outros países que se destacam pela acessibilidade do livro são os EUA, com índice de 1,8; Canadá, 1,7 e Suíça, 1,6.

A renda per capita no Brasil é de 4,4 mil dólares/ano, ou 788,33 reais por mês, e o índice de preço relativo do livro é 2,7.

Analisando bem a tabela, vemos que o índice do Brasil é similar ao da Itália (2,7), Bélgica (2,8). É menor que o mexicano (5,5!), Rússia (3,6) e Argentina (3,3).

O índice do Brasil, porém, observam os próprios autores da pesquisa, em artigo publicado na edição do Prosa & Verso, é distorcido pelo fato de incluir a distribuição gratuita de livros para estudantes da rede pública de ensino. O governo federal brasileiro tem o maior programa de compras de livro do mundo, diz o documento, que está disponível aqui.

Dentre os depoimentos de livreiros e editores, encontra-se muito desânimo e pouca criatividade. O único ponto que achei interessante é a sugestão da isenção de IPTU para livrarias.

Poucas soluções são aventadas na reportagem. Os autores sugerem destinar verbas às compras de bibliotecas públicas. Mas tal idéia não me parece muito genial. Claro que é importante, mas não creio que vá causar impacto nas vendas ou nas tiragens dos livros. Ademais, o governo já vem fazendo isso.

O livro ganhou concorrentes fortes na briga pelo consumidor brasileiro: celular, computadores, provedores de internet, dvd. As classes B e C têm hoje outras prioridades que não a aquisição de livros, sobretudo de literatura contemporânea, mais caros e com distribuição precária.

Eu, particularmente, não acredito que a intervenção do Estado vá ajudar em alguma coisa. A literatura pertence à esfera do individual, o ato de ler é individual, a literatura é a arte mais subjetiva de todas e ao Estado cabe apenas produzir políticas de fomento à economia do país, coisa que já vem acontecendo. O governo já vem fazendo seu papel: geração de emprego, geração de emprego, geração de emprego. Estou seguro de que, com mais dinheiro no bolso, mais livros serão vendidos no país.

Para mim, a indústria editorial no Brasil precisa ter paciência e resistência: saber esperar o processo de amadurecimento da economia nacional e ter planejamento econômico criativo para se manter de pé. Não compreendo como alguém ainda espera soluções mágicas do governo. Só serve para se somar ao exército de frustrados e irritadinhos que assolam nosso zoológico político.

A criação de bolsas literárias anuais, uma das medidas defendidas pelo Movimento Literatura Urgente, não me parece também uma grande solução. O movimento pede 20 bolsas anuais. Poxa, 20? Temos mais de dez mil escritores no país: de que vão adiantar 20 bolsas senão para produzir inveja nos 19.980 que ficarão de fora?

Respeito muito a luta do Ademir Assunção pela inclusão da criação literária nos projetos do Ministério da Cultura, mas tenho receio de que isso se transforme mais em motivo para criação de atritos entre a classe, governo e imprensa do que qualquer outra coisa. Repito: no caso da literatura, não creio em soluções que venham do governo, seja tucano, petista ou pemedebista. Por outro lado, é evidente que repudio aquela grosseria insípida da revista Veja, que desqualificou o Movimento através de calúnias e insinuações nojentas.

Há um fator que acentuou muito a crise nos últimos anos, e que se refletiu nos números: o empobrecimento da classe média. O povão veio ganhando espaço na economia, deslocando a classe média, tradicional consumidora de literatura. Também acho um processo inevitável, e até saudável. A crise do mercado editorial, portanto, comporta também um erro de estratégia das editoras: negligenciaram as classes populares como mercado consumidor. Engana-se quem acha que pobre é tudo burro e não lê. Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado, eram todos da Classe C, para ficar nos antigos. Até hoje, uma parcela boa dos escritores e artistas também veio e pertence às classes populares. É preciso ir barateando o livro sim, e construindo sistemas de marketing, distribuição e produção mais compatíveis com a nova cara que o Brasil vem assumindo, um país de gente humilde, mas ambiciosa, batalhadora e criativa.

Celso Furtado tinha uma frase lapidar que dizia algo como "os homens podem sim mudar a história, mas somente em face circunstâncias que a história lhe apresenta". É uma frase lógica. Acho que editores, livreiros, governos e escritores precisam inventar soluções criativas para fomentar a criação literária, a circulação de idéias, a venda de livros, sem atitutes arrogantes uns com os outros. Acredito, por exemplo, que a livraria Saraiva, a Travessa, entre outras grandes, poderia fazer muito mais pelos escritores que qualquer governo. Até porque tudo que um governo fizesse estaria ligado, inevitavelmente, no clima tenso, autoritário e negativo que cercam os conflitos políticos. As livrarias, como legítimos agentes do setor, poderiam fazer promoções inteligentes de literatura contemporânea, através de projetos especiais. Para isso, contariam com a simpatia de toda sociedade, escritores, familiares e amigos dos escritores, editoras, imprensa, empresas e governos.

No caso dos escritores, acho que é muito saudável que participem deste debate. Não faz mal nenhum, mas também não é fundamental. O trabalho do poeta está ligado somente à poesia, não ao mercado. O mais importante é continuarem acreditando em seu sonho, não se deixando desanimar com a frieza das editoras e livrarias e buscando o aperfeiçoamento constante desta técnica mágica, milenar, que consiste em transformar palavras em histórias, histórias em poesia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Para discutirmos o gargalo do mercado editorial brasileiro – creio que de vários outros países também, de forma ampla e definitiva, será necessário incluí-lo no rol das demais mazelas com as quais convivemos, como insegurança, corrupção e miséria, entre outras. Ora, a miséria é subproduto da ganância e ambas são frutos da ignorância e degradam o meio ambiente. A degradação ambiental, como o próprio nome diz, é a nossa convivência de maneira imprópria com os seres e com as coisas no nosso ambiente, resultando daí uma auto-estima baixa, menor valor da vida e alguma desesperança. Num clima com esse tipo original de comprometimento, com que palavras devemos falar o problema do mercado editorial?
Acredito que o equilíbrio proporcional do mercado editorial virá quando criarmos no Brasil um ambiente próprio para que a educação seja prioridade nacional. A partir daí, todos os nossos demais problemas descerão aos níveis normais, inclusive a insegurança e a corrupção. Não vejo soluções setoriais sustentáveis. (Vicente Melo)

Miguel do Rosário disse...

concordo Vicente.

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