Harold Bloom com vista para o morro da Mangueira



Ontem passei algumas horas na varanda da biblioteca da Uerj, local que frequento há muitos anos. A vista dá para o morro da Mangueira, imponente e cheio de personalidade, o metrô, o trem, ao fundo a baía de guanabara e a ponte rio-niterói.

Fiquei lendo O Cânone Ocidental, de Harold Bloom, famoso crítico literário norte-americano. Bloom defende uma visão eminentemente estética da arte, ou seja, que contemple a arte sem falsos moralismos ou viciados sociologismos.

Interessante notar que Bloom, a despeito de sua erudição, procura dismistificar qualquer suposta superioridade do homen "intelectual" frente aos demais cidadãos. O estudo dos clássicos, ou cânone, não nos tornaria pessoas melhores. Pelo contrário, se baseássemos nossa moral apenas no estudo dos clássicos nos tornaríamos monstros de egoísmo, diz ele.

A afirmação de Bloom me fez lembrar de inúmeros "intelectuais" brasileiros metidos a besta e a publicistas políticos, que se gabam tanto de seus conhecimentos literários, apesar do péssimo uso que fazem deles. A ideologia é burra, é um dos lemas da nova direita, omitindo de si mesma que a máxima vale tanto para a esquerda quanto para a direita.

Bloom não se ocupa de que forma os homens podem se tornar melhores. Seu campo é a estética, e para operar livremente ele afasta qualquer inferência moral ou política da análise literária.

Antônio Cândido, o famoso crítico brasileiro, não é tão peremptório quanto Bloom. Cândido tentará realizar uma síntese dialética entre a análise literária puramente estética, defendida por Bloom e a sociológica, defendida por outros autores.

Confesso que me inclino mais para a posição de Bloom, embora reconheça a coerência lógica do entendimento de Cândido, cuja estrutura teórica, inclusive, me parece melhor indicada para dar conta das transformações inerentes ao uso da internet como veículo de comunicação literária.

A grande novidade da internet, no terreno da literatura, a meu ver, é a interação, que transforma a maneira como lemos e, consequentemente, também irá mudar a forma como escrevemos um texto.

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Frases interessantes pescadas no livro de Bloom:

"Resenhar livros ruins, observou certa vez W.H.Auden, faz mal ao caráter".

"Ler os melhores escritores, digamos, Homero, Dante, Shakespeare, Tosltói, não nos tornará melhores cidadãos".

"A arte é inteiramente inútil, segundo Oscar Wilde, que geralmente tinha razão a respeito de tudo".

"Toda má poesia é sincera".

"O Cânone Ocidental, seja lá o que for, não é um programa de salvação social".

"A gente só entra no cânone pela força poética, que se constitui basicamente de um amálgama : domínio da linguagem figurativa, originalidade, poder cognitivo, conhecimento, dicção exuberante".

"Se lermos o Cânone Ocidental para formar nossos valores morais, sociais, políticos ou pessoais, creio firmemente que nos tornaremos monstros de egoísmo e exploração".

"Ler a serviço de qualquer ideologia é, em minha opinião, não ler de modo algum". (essa vale para certo jornalista político que acha que Dante e Robert Musil escreviam para defender o PSDB)

"Ler a fundo o cânone não nos fará uma pessoa melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo".

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O romance Assunção de Salviano, de Antônio Callado, é uma sucessão de clichês. A escrita de Callado é elegante, como sempre, mas a história em si é fraca. Além disso, há um artificialismo visível no texto, como se pudéssemos enxergar suas engrenagens íntimas. O romance conta as aventuras de uma célula comunista em Juazeiro, Bahia, que trabalha para produzir um foco revolucionário no Nordeste. Um dos "quadros" simula uma conversão religiosa e torna-se um "profeta", uma espécie de Antonio Conselheiro, pregando a fé e a revolução social. Ocorre que Manuel Salviano acaba assumindo de verdade o papel que lhe cabia apenas representar e passa a acreditar em Deus, pregando cada vez menos a revolução e mais a salvação da alma. As multidões passam a venerá-lo e até milagres acontecem. O enredo em si não é mal, apesar de ser um tanto forçado (o autor queria incluir luta de classes, comunismo, revolução, na história, certamente por serem, na época, temas polêmicos). Os defeitos são muitos, mas pode-se resumi-los por: diálogos banais, dicção pobre, trama medíocre e inverossímil e personagens simplórios, maniqueístas, previsíveis.

4 comentários:

Guilherme N. M. Muzulon disse...

Eu li o antes disso. Tá explicado então a viagem ébria?


Depois dê uma passada no meu blog Distorções de um Eu mesmo que tem poema novo lá - se quiser.

abraços.

Miguel do Rosário disse...

ah ah, gui, voce não perde uma héin meu velho? às vezes eu faço isso, tiro um texto, para ir corrigindo com calma, depois publico de novo. é o caso deste. abraço, miguel

Anônimo disse...

Posso colar e colocar nos meus arquivos dos livros que preciso ler?

Antonio Diamantino Neto disse...

É meu velho, só que os teóricos como Bloom esquecem de conferir o dom do inefável ao literário e a idéia absurda de existir qualquer espécie de argumento que justifique o estabelecimento de um Cânone. Onde estará Elefantes, Muleques e Travestís na porra do livro desse sacana? Eu lí o filho da puta e digo que o que distingue o homem de gênio do homem comum é somente a sensibilidade exacerbada, como dizia pessoa. Deixa pra lá!

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