A eterna luta contra o mau poeta que há em nós

No final dos 80's eu tocava violão e compunha músicas de amor. Esqueci tudo e não guardei nada. Lembro apenas, vagamente, que eram canções bregas, embora haja sim a possibilidade de eu ter assassinado algumas canções boas. Mas acho difícil. O Paulo Mendes Campos, numa de suas crônicas (presente no livro Anjo Bêbado), fala desse negócio do escritor ter de matar, diariamente, o mau poeta que há nele. Com certeza, grande Paulo. Os maus poetas nos habitam, às vezes nos dominam.

Quando falo de poesia, falo de literatura. Penso que é tolice esse preconceito que aflorou entre certos literatos contra poesia. Como se a poesia não fosse literatura. A literatura nasceu do poema. Aliás, a literatura moderna, a meu ver, está voltando muito à poesia. Há romances "modernos" que, se transcritos em versos, seriam pura poesia. E há poesias modernas que, diagramadas de outra forma, poderiam ser classificadas como prosa.

Está claro que alguns cidadãos, movidos por necessidade pecuniária, falta de alternativa econômica e certo (quiçá duvidoso) pendor para as letras, decidem se tornar poetas e vender seus livrinhos caseiros em bares, faculdades, na entrada de cinema e centros culturais. Quem já não enfrentou o famoso:

- Gosta de poesia?

Particularmente, não acho uma boa maneira de veicular a poesia. Para muitos, a abordagem é irritante, sobretudo se o poeta resolve explicar, em detalhes, o processo que usou para idealizar, escrever, diagramar e imprimir seu produto. No entanto, compreendo perfeitamente a situação do cara. Não sou eu que condenarei o poeta-camelô. Em teoria, é um ato corajoso, uma afirmação de independência artística. Acho legal o artista ampliar o controle sobre suas atividades. Fica mais livre e, muitas vezes, é a única maneira de ganhar algum dinheiro.

Contudo, também acho desagradável. Fujo dessas abordagens assim como fujo de militantes evangélicos, entrevistadores para campanhas de marketing e ciganas-desesperadas-para-ler-sua-mão.

No entanto, tenho pelo menos dois grandes amigos que vivem de vender poesia nas ruas. Mas esses são extremamente sagazes, abordando apenas pessoas que, notoriamente, demonstram interesse no produto. Em alguns meios, aqui no Rio, sou conhecido apenas como poeta, apesar de, há anos, escrever bem mais prosa que poesia. Conheço inúmeros poetas, a maior parte dos quais desconhecidos do público em geral, embora possuam um trabalho consistente pra caralho. O problema deles é que não exploram bem a internet e não possuem nenhum, nenhum, nenhum talento (pelo menos por enquanto) para venderem a própria imagem. Neste sentido, são completamente desajeitados. Ou puros, por outro ângulo. Românticos, utópicos, fracassados. No entanto, libertos de toda inveja (o que não é necessariamente uma qualidade, mas eles são assim). Altivos, irônicos, quase felizes - não fosse o desespero constante da falta de grana.

Por falar em poesia, deu vontade de escrever uma (quem sabe faz ao vivo).


a cerveja da geladeira


atrás de mim há uma geladeira
com várias latinhas de bavária
compradas no Mundial por 0,79 cada

enquanto escrevo, penso nelas, nas latinhas
penso particularmente em uma
a que porventura eu poderia abrir e beber
caso interrompesse a escrita, nesse momento,
me virasse, abrisse a geladeira
e a colhesse diretamente da árvore

parei

fui lá e peguei a cerveja
são 5:58 da manhã e sou um louco
bebendo cerveja em casa e escrevendo um poema

vou acordar tarde novamente
contrariando meu eterno plano de ir correr
no aterro às seis da manhã
trabalhar duro até o meio dia
almoçar, descansar a siesta
e passar a tarde lendo

tudo bem

agora vou acordar meio-dia
trabalhar até o meio da tarde
ler um livro
dar uma caminhada pelo centro antigo do rio
contemplando a beleza
dos casarões em ruínas

2 comentários:

Anônimo disse...

cara, muito bom o texto... o poema então, bem coloquial e ritmado com sempre são teus textos!
parabéns!

Anônimo disse...

Vai aruumar um emprego decete vc e seus amigos nerds, calhorda.

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