Manú tirou o embrulhinho de dentro da bolsa, colocou-o sobre a mesa e falou:
"Aperta aí você que eu tô cansada."
Não se lembrava como ele viera parar em sua casa; conjecturava se tinham feito amor ou coisa parecida. Recordava-se, um pouco confusamente, que fora apresentada a ele por uma amiga, e que o achou interessante e misterioso. Mas agora, observando calmamente, com a mente limpa - apesar da ressaca -, experimentava uma viva decepação: ele era barrigudo, vestia-se mal e era horrivelmente tímido. Sempre odiara caras tímidos, ainda mais quando eram pobres! Pelas maneiras do rapaz, via-se que era de origem humilde. Era moreno, quase negro, com cabelos crespos, e contemplava deslumbrado os móveis e bibelôs da sala de estar. E se ele roubar alguma coisa? Preciso prestar muita atenção, pensou Manú.
Sua principal preocupação, porém, era a chegada iminente dos pais. Eles haviam viajado para a casa deles em Angra e retornariam hoje. Sua mãe dissera que pretendia sair de lá no domingo bem cedo, para fugir do congestionamento. Olhou para o relógio da parede: duas e meia da tarde. Eles deviam chegar a qualquer momento. Caso o rapaz ainda estivesse na casa, ele almoçaria com a família dela, na mesa comprida da sala de jantar. Sempre que tinha visita, a mãe fazia questão que comessem todos juntos na sala. Quando não havia visita, cada um fazia seu prato na cozinha e ia prum canto diferente da casa. Ela ia pra salinha de televisão comer no sofá vendo um filme qualquer no Telecine.
O negócio é que, com todos na mesa, haveria fatalmente uma conversa sobre quem era o rapaz, onde ela o conhecera, o que ele fazia, e todas essas babaquices. Manú morreria de vergonha por ter ficado com uma pessoa de tão baixo nível. A irmã mais nova, que também viajara com os pais, daria aquele sorrisinho insuportável que queria dizer: "tá vendo, sua horrorosa, você é mesmo uma tribufu gorda que só consegue pegar esses estudantezinhos pobres e bêbados que ficam com qualquer mulher depois de certa hora e algumas cervejas".
Ele pegou o embrulhinho, abriu, despejou o conteúdo sobre a mesa e começou a despelotar. Não estava se sentindo à vontade naquele apartamento luxuoso. Mas já que estava ali, queria aproveitar um pouco, fumar um, viajar, escutar uns Cds, olhar, pela janela, as montanhas verdes e o Cristo Redentor. A garota o havia agarrado quase à força na festa. Depois, arrastara-o, também quase à força, para o apartamento dela e se comportara como uma tarada. Mal chegaram, totalmente bêbados, ela abaixou as calças dele e chupou seu pau com uma sofreguidão que nunca vira antes em mulher alguma. Teve que segurar a cabeça dela para não gozar e sobrar energia para fodê-la legal. E foi o que fez, e ela gozou uivando como uma cadela no cio.
Foram para um quartinho nos fundos da cozinha e acenderam o baseado. Ele recostou-se num sofá macio e lembrou do chão duro que fazia o papel de cadeira, mesa e cama de seu conjugado no Bairro de Fátima. Por uma associação óbvia, lembrou-se que não tinha dinheiro nem pro ônibus e praticou, de cabeça, algumas frases de efeito para justificar o pedido de empréstimo que faria à moça. Ela vai saber que sou um pobretão e não vai mais querer sair comigo. Ah, foda-se, ela é uma baranga mesmo. Sem bunda, sem peito, gorda, grandalhona, e agora está se revelando também uma garota arrogante e convencida. Olha só o jeito que ela me olha!
Escutam o barulho da porta se abrindo e apagam o baseado. Manú pega um spray de Bom Ar e perfuma o ambiente. Correm pra sala, antes passando no banheiro e fazendo a higiene básica do maconheiro: lavam as mãos, escovam os dentes e pingam colírio nos olhos. Ela pede que ele vá para seu quarto e espere por lá.
Às três e meia da tarde o almoço foi servido. A mãe preparara espaguete com molho pesto. Sentaram-se todos à mesa, o pai numa cabeceira e o irmãozinho na outra. As duas irmãs ficaram frente à frente; o rapaz ao lado de Manú e a mãe ao lado da outra irmã. Estavam todos mal-humorados de fome. Tinham calculado chegar a uma da tarde, mas um engarrafamento provocado por um acidente na estrada fê-los atrasar em mais de duas horas.
Após as primeiras garfadas, o silêncio pesado foi aos poucos se desfazendo com frases curtas.
"E aí, mãe, fez sol lá?", perguntou Manú.
"No sábado de manhã fez um solão. A gente saiu de barco e fomos a umas ilhas que não conhecíamos."
"Foi super-legal!", empolgou-se o irmãozinho.
" Toninho! Não lhe disse para não falar de boca cheia? ", ralhou a mãe.
Fez-se silêncio novamente. Escutava-se somente os talheres batendo de leve no prato. O pai voltou-se para o rapaz e perguntou:
"Qual é seu nome, rapaz? "
" Arnaldo, senhor. "
" Arnaldo de quê? "
" Pai!", Manú sorria; ela sabia que a última pergunta havia sido apenas provocativa, com sentido cômico. O pai não ligava a mínima para sobrenomes. Ligava sim para o dinheiro que a pessoa, ou a família da pessoa, tinham. Era um legítimo burguês liberal. Estava só puxando assuto; ela sabia disso e protestava para divertir o pai. Arnaldo compreendera tudo e sorria também; respondeu:
"Arnaldo Gomes Pinto, nome de português."
"E você mora aonde, seu Arnaldo Pinto? "
Manú alarmou-se; notara um quê de sarcasmo ou irritação no pai.
"No Bairro de Fátima, na rua do Riachuelo."
"E conhece minha filha de onde? "
"Amor, pára com esse interrogatório. Deixa o rapaz comer em paz", interveio a mãe, incomodada com o fato do rapaz estar, há alguns minutos, com um garfo cheio de comida paralisado no ar.
Arnaldo sorriu de novo e não respondeu. Encheu a boca e põs-se a mastigar lentamente. Sua intuição lhe advertia que alguma coisa estava errada. Alguns minutos depois de silenciosa mastigação, o pai empurrou o prato pra frente, brutalmente. Tinha o rosto muito vermelho e os olhos cravados no rapaz.
"Retire-se imediatamente desta mesa e saia da minha casa, seu vagabundo, seu, seu, seu, seu maconheiro! É! Maconheiro! Eu senti o cheiro quando cheguei em casa. E vocês não conseguiram disfarçar. Dá pra notar que os dois estão doidões."
Foi um susto. Haviam interrompido a mastigação no instante em que o pai empurrou o prato. As primeiras palavras, naquele tom de voz, foram deixando a todos estupefatos. Nunca tinham visto o pai nesse estado. O rapaz estava petrificado. Queria levantar-se e ir embora, mas não conseguia mover um músculo.
Os pensamentos do pai queriam explodir. Eu tenho que falar. Tenho que falar. Tenho. Agora.
"Puta que pariu! Puta que pariu! Eu tô enlouquecendo nessa casa. Tô nervoso, muito nervoso. Estou desesperado. Eu tenho que falar pra vocês. Preciso contar a verdade. Nós estamos falidos. FALIDOS", berrou o pai.
O irmãozinho começou a chorar, apesar de não saber o que significava "falido". Podia sentir, antes que todos, uma coisa muito ruim no ar. Talvez por isso, tenha vomitado tanto durante a viagem. A mãe também chorava, mas discretamente. Então era isso, pensava ela, que já vinha desconfiando de alguma coisa nesse sentido, devido ao péssimo humor do marido durante o fim-de-semana. Aquela especulação doida em que ele e o sócio entraram deve ter criado um rombo monstruoso na empresa. Olhou para o marido, que queria falar mais:
"Temos que vender tudo. Tudo. O apartamento, a casa em Angra, o carro, pra pagar as dívidas da empresa. E mesmo assim vamos ficar devendo. Ficaremos pobres. Eu tô fudido."
Arnaldo sentia o sangue voltar a circular em suas veias. Enfim, não era comigo que o cara tava tão revoltado, refletiu. Levantou-se da mesa completamente ignorado pelos outros, que estavam hipnotizados pela cena terrível de derrocada: o pai chorando convulsivamente, debruçado sobre a mesa, os braços pendendo, mortos, para o chão.
Antes de sair, Arnaldo pegou umas moedinhas que viu em cima de um móvel na saleta da entrada. Deve dar pro ônibus, pensou.
"Aperta aí você que eu tô cansada."
Não se lembrava como ele viera parar em sua casa; conjecturava se tinham feito amor ou coisa parecida. Recordava-se, um pouco confusamente, que fora apresentada a ele por uma amiga, e que o achou interessante e misterioso. Mas agora, observando calmamente, com a mente limpa - apesar da ressaca -, experimentava uma viva decepação: ele era barrigudo, vestia-se mal e era horrivelmente tímido. Sempre odiara caras tímidos, ainda mais quando eram pobres! Pelas maneiras do rapaz, via-se que era de origem humilde. Era moreno, quase negro, com cabelos crespos, e contemplava deslumbrado os móveis e bibelôs da sala de estar. E se ele roubar alguma coisa? Preciso prestar muita atenção, pensou Manú.
Sua principal preocupação, porém, era a chegada iminente dos pais. Eles haviam viajado para a casa deles em Angra e retornariam hoje. Sua mãe dissera que pretendia sair de lá no domingo bem cedo, para fugir do congestionamento. Olhou para o relógio da parede: duas e meia da tarde. Eles deviam chegar a qualquer momento. Caso o rapaz ainda estivesse na casa, ele almoçaria com a família dela, na mesa comprida da sala de jantar. Sempre que tinha visita, a mãe fazia questão que comessem todos juntos na sala. Quando não havia visita, cada um fazia seu prato na cozinha e ia prum canto diferente da casa. Ela ia pra salinha de televisão comer no sofá vendo um filme qualquer no Telecine.
O negócio é que, com todos na mesa, haveria fatalmente uma conversa sobre quem era o rapaz, onde ela o conhecera, o que ele fazia, e todas essas babaquices. Manú morreria de vergonha por ter ficado com uma pessoa de tão baixo nível. A irmã mais nova, que também viajara com os pais, daria aquele sorrisinho insuportável que queria dizer: "tá vendo, sua horrorosa, você é mesmo uma tribufu gorda que só consegue pegar esses estudantezinhos pobres e bêbados que ficam com qualquer mulher depois de certa hora e algumas cervejas".
Ele pegou o embrulhinho, abriu, despejou o conteúdo sobre a mesa e começou a despelotar. Não estava se sentindo à vontade naquele apartamento luxuoso. Mas já que estava ali, queria aproveitar um pouco, fumar um, viajar, escutar uns Cds, olhar, pela janela, as montanhas verdes e o Cristo Redentor. A garota o havia agarrado quase à força na festa. Depois, arrastara-o, também quase à força, para o apartamento dela e se comportara como uma tarada. Mal chegaram, totalmente bêbados, ela abaixou as calças dele e chupou seu pau com uma sofreguidão que nunca vira antes em mulher alguma. Teve que segurar a cabeça dela para não gozar e sobrar energia para fodê-la legal. E foi o que fez, e ela gozou uivando como uma cadela no cio.
Foram para um quartinho nos fundos da cozinha e acenderam o baseado. Ele recostou-se num sofá macio e lembrou do chão duro que fazia o papel de cadeira, mesa e cama de seu conjugado no Bairro de Fátima. Por uma associação óbvia, lembrou-se que não tinha dinheiro nem pro ônibus e praticou, de cabeça, algumas frases de efeito para justificar o pedido de empréstimo que faria à moça. Ela vai saber que sou um pobretão e não vai mais querer sair comigo. Ah, foda-se, ela é uma baranga mesmo. Sem bunda, sem peito, gorda, grandalhona, e agora está se revelando também uma garota arrogante e convencida. Olha só o jeito que ela me olha!
Escutam o barulho da porta se abrindo e apagam o baseado. Manú pega um spray de Bom Ar e perfuma o ambiente. Correm pra sala, antes passando no banheiro e fazendo a higiene básica do maconheiro: lavam as mãos, escovam os dentes e pingam colírio nos olhos. Ela pede que ele vá para seu quarto e espere por lá.
Às três e meia da tarde o almoço foi servido. A mãe preparara espaguete com molho pesto. Sentaram-se todos à mesa, o pai numa cabeceira e o irmãozinho na outra. As duas irmãs ficaram frente à frente; o rapaz ao lado de Manú e a mãe ao lado da outra irmã. Estavam todos mal-humorados de fome. Tinham calculado chegar a uma da tarde, mas um engarrafamento provocado por um acidente na estrada fê-los atrasar em mais de duas horas.
Após as primeiras garfadas, o silêncio pesado foi aos poucos se desfazendo com frases curtas.
"E aí, mãe, fez sol lá?", perguntou Manú.
"No sábado de manhã fez um solão. A gente saiu de barco e fomos a umas ilhas que não conhecíamos."
"Foi super-legal!", empolgou-se o irmãozinho.
" Toninho! Não lhe disse para não falar de boca cheia? ", ralhou a mãe.
Fez-se silêncio novamente. Escutava-se somente os talheres batendo de leve no prato. O pai voltou-se para o rapaz e perguntou:
"Qual é seu nome, rapaz? "
" Arnaldo, senhor. "
" Arnaldo de quê? "
" Pai!", Manú sorria; ela sabia que a última pergunta havia sido apenas provocativa, com sentido cômico. O pai não ligava a mínima para sobrenomes. Ligava sim para o dinheiro que a pessoa, ou a família da pessoa, tinham. Era um legítimo burguês liberal. Estava só puxando assuto; ela sabia disso e protestava para divertir o pai. Arnaldo compreendera tudo e sorria também; respondeu:
"Arnaldo Gomes Pinto, nome de português."
"E você mora aonde, seu Arnaldo Pinto? "
Manú alarmou-se; notara um quê de sarcasmo ou irritação no pai.
"No Bairro de Fátima, na rua do Riachuelo."
"E conhece minha filha de onde? "
"Amor, pára com esse interrogatório. Deixa o rapaz comer em paz", interveio a mãe, incomodada com o fato do rapaz estar, há alguns minutos, com um garfo cheio de comida paralisado no ar.
Arnaldo sorriu de novo e não respondeu. Encheu a boca e põs-se a mastigar lentamente. Sua intuição lhe advertia que alguma coisa estava errada. Alguns minutos depois de silenciosa mastigação, o pai empurrou o prato pra frente, brutalmente. Tinha o rosto muito vermelho e os olhos cravados no rapaz.
"Retire-se imediatamente desta mesa e saia da minha casa, seu vagabundo, seu, seu, seu, seu maconheiro! É! Maconheiro! Eu senti o cheiro quando cheguei em casa. E vocês não conseguiram disfarçar. Dá pra notar que os dois estão doidões."
Foi um susto. Haviam interrompido a mastigação no instante em que o pai empurrou o prato. As primeiras palavras, naquele tom de voz, foram deixando a todos estupefatos. Nunca tinham visto o pai nesse estado. O rapaz estava petrificado. Queria levantar-se e ir embora, mas não conseguia mover um músculo.
Os pensamentos do pai queriam explodir. Eu tenho que falar. Tenho que falar. Tenho. Agora.
"Puta que pariu! Puta que pariu! Eu tô enlouquecendo nessa casa. Tô nervoso, muito nervoso. Estou desesperado. Eu tenho que falar pra vocês. Preciso contar a verdade. Nós estamos falidos. FALIDOS", berrou o pai.
O irmãozinho começou a chorar, apesar de não saber o que significava "falido". Podia sentir, antes que todos, uma coisa muito ruim no ar. Talvez por isso, tenha vomitado tanto durante a viagem. A mãe também chorava, mas discretamente. Então era isso, pensava ela, que já vinha desconfiando de alguma coisa nesse sentido, devido ao péssimo humor do marido durante o fim-de-semana. Aquela especulação doida em que ele e o sócio entraram deve ter criado um rombo monstruoso na empresa. Olhou para o marido, que queria falar mais:
"Temos que vender tudo. Tudo. O apartamento, a casa em Angra, o carro, pra pagar as dívidas da empresa. E mesmo assim vamos ficar devendo. Ficaremos pobres. Eu tô fudido."
Arnaldo sentia o sangue voltar a circular em suas veias. Enfim, não era comigo que o cara tava tão revoltado, refletiu. Levantou-se da mesa completamente ignorado pelos outros, que estavam hipnotizados pela cena terrível de derrocada: o pai chorando convulsivamente, debruçado sobre a mesa, os braços pendendo, mortos, para o chão.
Antes de sair, Arnaldo pegou umas moedinhas que viu em cima de um móvel na saleta da entrada. Deve dar pro ônibus, pensou.
7 comentários:
É meu irmão, é foda!
Antonio Carlos
e ai miguelito!!
abraco pra ti e diz pra priscila que tem coisa nova no encarnerubro.
grande jorge, e aí meu velho, tá só aí curtindo a ilha héin! com cerveja vou lá no seu blog fazer uma visita. tô enroladão nos trampos. abraço. miguel
vamo que vamo!
à noite, desliquefaço-me em sentinelas de frio fogo, como quem morre ao som de um blues
Hallo I absolutely adore your site. You have beautiful graphics I have ever seen.
»
Greets to the webmaster of this wonderful site! Keep up the good work. Thanks.
»
Postar um comentário