Entrevista exclusiva com Paulo Scott (arquivo Arte & Política)

(CONCEDIDA EM 2005)


Arte & Política: Paulo, fale um pouco de seus livros passados e futuros...

Paulo Scott: Publiquei três livros até agora: o “Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros” (SULINA, 2001), uma compilação das poesias que escrevi nos anos oitenta e noventa; o já esgotado “Ainda orangotangos” (LIVROS DO MAL, 2003), contendo vinte e dois contos curtos – herméticos, poéticos e violentos –, e, recentemente, o romance “Voláteis” (OBJETIVA, 2005). O “Histórias curtas...” é um livro irregular, há textos melhor acabados – nos quais já é possível perceber o estilo que hoje me caracteriza – e outros de uma ingenuidade insuportável, mas que pela crueza têm algum valor literário. O “Ainda orangotangos” virará longa-metragem em plano-seqüência, dirigido pelo Gustavo Spolidoro, da Clube Silêncio – hoje, a segunda produtora de cinema mais importante do Rio Grande do Sul –, com previsão de lançamento para o segundo semestre de 2007.

No final deste mês de janeiro, sairá pela Editora Objetiva, o livro de poesias “A timidez do monstro”, com ilustrações do Guilherme Pilla, o responsável pelas capas da Livros do Mal – uma coisa importante a ser dita é que as ilustrações do livro, por motivos que não vêm ao caso, são as últimas feitas por ele antes da decisão, tomada há quase um ano, de parar de ilustrar.

Arte & Política: Como analisa a atual conjuntura do mercado de ficção no país?

A conjuntura do mercado ainda é reflexo dos problemas estruturais relacionados ao baixo nível cultural (educacional) do nosso país – crises econômicas, na minha opinião são secundárias, menos determinantes, tanto é que em vários países a procura por livros aumenta nos períodos de gravidade financeira.

Há boa ficção sim, mas que não provoca – apesar de algum esforço editorial, como, por exemplo, esse que a Companhia das Letras está fazendo com o livro recente do Marçal Aquino – a devida atenção dos consumidores-leitores.

Não se pode esquecer que mercado é, sobretudo, consumo, e isso – a exceção dos livros de auto-ajuda e dos autores da moda, alguns cujo resultado sequer pode ser considerado literário – é algo que em escala significativa sequer existe no Brasil. Livros excelentes, como o “Deixe o quarto como está” (COMPANHIA DAS LETRAS, 2002), do Amílcar Bettega Barbosa (ganhador da última edição do Portugal Telecom), não chegam a vender os três mil exemplares da primeira edição.

Apesar de tudo isso, vale o registro, autores novos (e tidos como marginais ao gosto médio do consumidor brasileiro) vêm recebendo, inclusive da imprensa literária, maior atenção do que receberiam há alguns anos atrás.

Arte & Política: Para você, a proliferação de pequenas editoras trouxe que tipo de mudanças à literatura contemporânea?

As editoras pequenas, com maior ou menor êxito, expõem novos autores, cuja qualidade literária – se, de fato, presente – poderá ser mais facilmente reconhecida. Importante lembrar que nem todas as pequenas editoras têm compromisso com a qualidade, muitas entram na lógica: “vamos publicar os nossos amigos” – radicalmente contrária a essa perspectiva, esteve (ou está, já que não se sabe se a editora acabou, ou não) a editora Livros do Mal, com rigor máximo na seleção dos seus autores.

Com efeito, escritores das pequenas editoras passaram a receber da imprensa brasileira o mesmo destaque dispensado aos autores das grandes editoras; isso obrigou as grandes a se tornarem mais sensíveis e abertas aos excêntricos (admitidos aí todos os significados cabíveis na expressão).

Arte & Política: O que faz para se inspirar?

Falta de inspiração não é o meu problema. Pelo contrário, tenho de controlar a enxurrada de impulsos e as idéias para conseguir, efetivamente, ser produtivo; quero dizer: não há como você terminar os projetos iniciados se não controla a compulsão de iniciar outros e outros.

Na execução dum texto longo (como um romance, por exemplo) – especialmente quando estou muito cansado ou envolvido pela frieza e tensões da vida prática (como diz a minha mulher Simone) – escuto Chet Baker, Nina Simone e John Coltrane, coisas desse tipo.

Uma certa indignação constante (que me caracteriza) é outro elemento inspirador importante.

Arte & Política: Falta uma crítica mais profissional e independente no país?

Com certeza. Isso está mudando, mas muito lentamente. Num meio repleto de leitores pouco informados – preguiçosos até – uma crítica literária razoável seria algo indispensável. Uma das pessoas que melhor tem se pronunciado a esse respeito é o escritor Nelson de Oliveira.

Arte & Política: Onde gosta de passar o Carnaval?

Carnaval? O que é isso?

Arte & Política: Três livros que levaria para uma ilha deserta?

“A náusea”, do Jean Paul Sartre. “Viagem ao fim da noite”, do Luis-Ferdinand Céline. “Almoço nu”, William Burroughs.

Veja que são todos estrangeiros; é uma pena (mas fazer o que?, são minhas grandes influências).

Arte & Política: Dostoiésvki ou James Joyce?

Joyce, por razões muito particulares.

Arte & Política: Pode dizer alguma coisa sobre o tema educação?

Sobre a educação, o que posso dizer é que... bem, é o maior problema do Brasil e os Governos todos (de todos os níveis federativos), como acontece com a saúde – aliás, só isso já seria motivo para protestos e manifestações intermináveis – não conseguem resolvê-lo.

Arte & Política: A literatura serve pra quê?

Tornar o vazio e a falta de sentido da vida – o que, ao menos mediatamente, pode-se resumir às relações interpessoais – mais suportáveis. Ou – supletivamente – permitindo-me um pouco de sarcasmo: para um tanto de gente infeliz bater no peito e vociferar “eu sou um escritor, vocês não vêem?, eu sou um escritor”.

Arte & Política: Como descreveria Porto Alegre e seus habitantes?

Um lugar provinciano, elitista e racista, com gente talentosa e neurótica saindo pelo ladrão.

Arte & Política: Que autores brasileiros contemporâneos chamaram mais sua atenção nos últimos tempos?

Começo por dois jovens (acima da média): João Paulo Cuenca e Daniel Galera. Dos mais velhos, seja pela verve ou pelo estilo, citaria João Gilberto Noll, Marçal Aquino e o Nelson de Oliveira. Na poesia, tem o Fabrício Carpinejar, singular em todos os aspectos. Há também os que me influenciaram: Luiz Ruffato, Daniel Pellizzari (este pela postura admirável que assumiu diante da literatura) e o Joca Reiners Terron. Correndo por fora, estão o Marcelo Benvenutti, a Cecília Giannetti, o Cardoso e a Mara Coradello.

Arte & Política: Considerações finais?

Muita gente me escreve perguntando como eu fiz para assinar contrato com duas das quatro editoras mais importantes do Brasil – sinto, nesses assaltos, nessa ansiedade, que os interlocutores estão mais interessados em publicar (seja lá o que for) do que realmente escrever. Esse é o maior erro que se pode cometer (até por que se a intenção é se expor – e isso, sem dúvida, é fundamental – basta iniciar um blog e veicular os textos por lá).

Não há truque: o negócio é escrever do jeito que você acha que vale a pena e, dessa obstinação, retirar algum prazer, porque – mesmo quando conseguir o almejado reconhecimento nacional – logo perceberá que todo o resto (vaidades, glamour etc) é bobagem. Isso eu posso garantir.

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