De novo na Roosevelt

"camisinha usada é ressaca de caralho esclarecido", MM



Neste sábado, o re-lançamento dos livros do Mirisola reuniu uma cambada de escritores na praça Roosevelt. Legal observar o pessoal se encontrando sem objetivo determinado, sem pretensão de criar nenhum "movimento", sem compromissos mútuos, apenas o prazer e a liberdade de estar juntos, tomar umas geladas, e fazer o velho e bom tráfico de idéias - o que alguns também denominam "filosofar", ou simplesmente "falar merda".

Aviso aos amigos que se confundiram: não estou morando em São Paulo. Só estive lá uns dias. Ontem, no evento organizado pelo Claudinei Vieira (que rolará todo último sábado do mês, das 14 às 18), conheci mais uma pá de gente e re-encontrei alguns novíssimos brothers (vejam como meu vocabulário se apaulistou).

O Mirisola, daqui em diante chamado O AUTOR, subiu à sua quitinete de marfim e achou um Buchanan que, generosamente, botou na roda. Não durou muito, mas foi bem degustado, sobretudo pelo Douglas Kim, que pegou a garrafa e saiu correndo para o meio da praça, tentando beber tudo pelo gargalo. Foi perseguido furiosamente por alguns dos presentes, enquanto Marcelo Montenegro recitava belíssimos poemas, ao ritmo místico e onomatopeico da guitarra de Daniel Galera.

Enfim, o uísque foi recuperado e o famigerado coreano amarrado num poste em frente ao bar, de onde passou a vociferar obscenidades (segundo informaram conterrâneos continentais presentes) em sua língua materna.

Camilla Lopes se divertia botando as mirisoletes pra correr e o AUTOR discorria sobre seu ceticismo radical em relação ao elefantinho da Cica e conjecturando, gravemente, sobre quem seria a velhinha da Casa do Pão de Queijo. E perguntava: "onde está aquele filhadaputa do Reinaldo de Moraes?"

De repente, todos os olhares se voltaram para uma das mesas. Diante do público estarrecido, Pindoca e Picunha beijavam-se na boca, um beijo incendiário, nitroglicerina pura. Até Kim parou de berrar em coreano e contemplava a cena em total perplexidade (ciúmes?).

Indignado, Vieirinha foi lá e interrompeu o idílio. "Vocês estão estragando a festa porra!". Os dois sorriram, envergonhados, e concordaram em segurar a tesão (no feminino, como prega o AUTOR) por mais algumas horas.

As coisas foram voltando ao normal. Os berros de Kim haviam alcançado harmonia com a música e a poesia. Alguém teve pena e foi lá dar um pouco de uísque pra ele. Enquanto isso, a Marcia Denser e eu travávamos uma dura discussão, ela defendendo Faulkner e menosprezando Dostoiésvki, eu dizendo que o único livro de Faulkner que prestava era Santuário e que o velho Dosti é que era O CARA. Até que me dei por vencido, beijei-lhe as mãos e concentrei-me no que restava do Buchanan.

O AUTOR continuava falando sobre o elefantinho da Cica e a velhinha da Casa do Pão de Queijo, até que alguém lembrou de lhe perguntar o que faria com o dinheiro do Jabuti, caso fosse o vencedor deste ano. O AUTOR então se ergueu, lentamente, olhou para um lado e outro, olhos brilhando de malícia, como se tivesse esperado anos para dizer aquilo e soltou:

- VOU MANDAR O R., O M., O N. E O P. TODOS ELES PARA A PUTA QUE OS PARIU! É ISSO MESMO, VOU MANDAR TODO MUNDO MANDAR NO CÚ! INCLUSIVE VOCÊS TODOS AQUI.

Todos ficaram muito constrangidos, mas ninguém ousava dizer palavra. Ouviu-se uma voz doce:

- Até eu, amor?

Ao identificar a voz, foi como se O AUTOR tivesse recebido uma descarga elétrica. Voltou-se e viu a sua AMADA, sorrindo carinhosamente. Ele abriu um sorrisão e disse:

- VOCÊ NÃO, VOCÊ NÃO.

Os dois se abraçaram e Camilla levou o AUTOR para seu apartamento, que fica dezessete andares acima do bar. Eu decidi soltar o Kim, que parecia estar bem mais calmo. Pedi, e fui atendido, para que ele não me aplicasse letais golpes de kung-fu. Conversamos sobre literatura - ele me contou que meu problema era levar as coisas a sério demais, a pensar muito, isso prejudicava meu texto e tal. Chegou mesmo a ficar furioso quando ousei falar que o Fome, do Hansum, também ficou conhecido fora dos meios literários pelas descrições precisas e minuciosas dos sofrimentos causados pela falta de comida. Nem pude falar em Josué de Castro. O Vieirinha chegou e acrescentou que o único texto meu do qual ele realmente gostou havia sido A RESENHA (o que não falei é que até A RESENHA, a meu ver, também não era lá essas coisas).

Durante todo o tempo (tirando o episódio do rapto do Buchanan), Bortolotto observou a confusão com serenidade budista, mas sabíamos que torcia para que qualquer um de seus MALAS prediletos chegasse para que pudesse exercitar seus punhos de caminhoneiro. Mais tarde, nos confessou que sua sede de boxe era tão grande que estava aceitando bater até em MALA MULHER, principalmente se fosse uma certa fulana que tentou queimar um amigo seu (e o próprio Bortolotto, por tabela) que trabalha na Folha, só porque o cara tinha assistido a uma peça do B, gostado e escrito uma crítica positiva.

Sentados junto ao balcão, Bactéria e Trovão morriam de rir. Mesmo quando fui lá e falei pro Trovão que eu ia pendurar a conta, o Trovão continuou rindo. Achei legal da parte dele. O Bactéria me cumprimentou pela RESENHA e falou sobre seus planos de montar uma filial no Rio de Janeiro. Enquanto falávamos sobre como os sebistas do Rio, em sua maioria, não tinham noção do valor dos livros que vendiam, ofertando às vezes verdadeiras raridades por preços irrisórios, um vento frio, terrivelmente frio, provocou calafrios em todos nós.

Uma sensação muito estranha pareceu invadir cada um dos presentes. Ninguém mais falava, só nos olhávamos nos olhos um dos outros e víamos uma espécie de pavor irracional. Seria o PCC? Seria o Alckmin? Alguém sussurrou que era o novo prefeito de São Paulo, Kassab, que vinha conhecer o Satyros 2. Felizmente, era só boato. Entretanto, a sensação ruim continuava. Alguém viu um vulto correndo pra cá e pra lá nos escuros da praça Roosevelt. Todos voltaram sua atenção para o local e, de fato, havia algo se movimentando.

- Esquisito, comentou alguém, parece que o vulto é... AZUL!

A frase caiu como uma bomba. Ouviu-se um "uuuhhh" geral. As mulheres começaram a gemer. Alguns, entre eles Picunha e Pindoca, saíram correndo, desabalados, gritando "o horror, o horror". Eu virei a Salinas que estava na mesa, e que nem era minha. O silêncio aterrorizado de todos era o silêncio que sucede a constatação de que algo terrível aconteceu. Enfim ouviu-se a voz de Bortolotto, trêmula, mas numa altura inteligível a todos no bar.

- Meu Deus, não é possível. É...
- Você sabe o que é isso, Bortolotto? - perguntou a Fernanda, olhos arregalados.
- Sei, mas não acredito. Não pode ser.
- Porra, diz logo cara, o que é isso? - eu insisti.

O vulto parecia se aproximar, trazendo um vento frio que gelava a alma... e aquele azul-claro mortiço, doentio, cintilando sinistramente por trás dele.

Enfim, Bortolotto falou, numa voz desconsolada:

- É ele, Jesus! Meu pai, é ele! O FILHO MORTO DA PRAÇA ROOSEVELT!



(essa é uma crônica ficcional, com suaves pinceladas de realidade. A cena do beijo, por exemplo, assim como o são as peripécias de Kim, é fictícia; foi incluída justamente como um toque de absurdo. A única coisa realmente verdadeira na crônica foi a aparição do fantasma azul)

9 comentários:

Anônimo disse...

Quase tudo realmente aconteceu, mas o que não aconteceu bem que poderia ter acontecido. Seria apenas o real ficcionado e exagerado? Sei lá, mas o texto é bom pra caralho. Pena eu ter que trabalhar ontem de madruga e não poder acompanhar vocês na Mercearia. Grande abraço.

Anônimo disse...

Ihh, Miguel, eu não me lembro de quase nada que está escrito aqui,mas como sempre você me faz rir, essa semana nos veremos amigão, e tem mais se eu tiver grana, banco a coisa toda sozinha, viu?
Beijos
P.S VOCÊ É PSICÓTICO!

Anônimo disse...

pois é, doidêra héin?

Anônimo disse...

Miguel,

é, a praça é dos loucos. os únicos homens que voam.

pri

Anônimo disse...

um estrondo de não-flores ecoa em cada ouvido morto da praça roosevelt, uma peça sem luz, vinte mil mulheres, um amor sem estudos, livre como um cão bêbado, melodia áspera e bela, como o sol da tarde sem núvens, nas praias cinzas de são paulo

duarte coelho

Jorge Ferreira disse...

linguagem cifrada?
Na boa Miguel?...Mandando bem nas cronicas meu velho!

Maviton disse...

A melhor crônica que eu li nos últimos tempos. Sem um tom de muito sério, uma história bem narrada, e sem dúvida prazerosa.
Cheguei aqui por umas boas indicações, e confirmo, muito boas "mesmo"!!!


Soul

Anônimo disse...

é isso que eu chamo de realismo!

Anônimo disse...

Muito bom, mas a imagem de Kim amarrado ao poste eu levarei comigo para todo o sempre.

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