Buk no Rio




Passei a tarde numa biblioteca pública, saboreando Factotum, de Charles Bukoswki, um dos poucos dele que ainda não tinha lido. Devorei quase tudo, tenho que voltar lá para terminar o livro, mas as páginas assimiladas me fizeram refletir sobre as diferenças entre os escritores de lá e os daqui. (nota: tenho que ver o filme Factotum)

Em primeiro lugar, compreendi mais um pouco o carinho que os brasileiros têm pelo velho bêbado. Ele é pobre, fudido e mau pago, como a gente. Esta é a razão da afinidade que sentimos. Outra, ele é humilde, diferente do caráter padrão do norte-americano, arrogante e prepotente.

As semelhanças páram por aí. Um escritor brasuca que se dispusesse a imitar a trajetória etílica do velho não aguentaria quinze dias - o tempo que se leva para uma crise aguda de fome.

Em Factotum, Buk viaja pela América dos anos 40, em plena Guerra. Os EUA haviam se tornado o principal fornecedor de alimentos, insumos e armas para o palco de guerra. Além disso, dezenas de milhares de homens lutavam no front, desafogando o excesso de mão-de-obra no país. Buk vaga por várias cidades, sem emprego, sem dinheiro e mesmo assim dorme em hotéis e passa o dia inteiro bebendo.

O jovem Henry Chinaski, alter-ego de Buk, dá-se ao luxo de passar dias sem folhear os jornais à cata de emprego, e quando o faz arruma um trabalho quase que imediatamente. O trabalho, apesar de pesado e braçal, sempre lhe proporciona grana suficiente para beber uisque, comprar um carro usado e dormir em hotéis baratos.

No tempo livre, entre uma dose e outra, Chinaski escreve. Aí entra outra diferença. Ele envia contos pelo correio para as revistas literárias de sua preferência. São muitas as revistas literárias consagradas nos EUA. E todas, quando aceitam publicar contos dos novos autores, pagam-lhes quantias razoáveis.

A história de Buk em Factotum é muito parecida com a de John Fante em Pergunte ao Pó. Não é outra razão do velho ter se apaixonado pelo livro.

Também li poemas muito bonitos do velho de uma livro recém-publicado, título irrepetível aqui. Sabe, podem falar o que quiserem, gosto cada vez mais desse pinguço filho-da-puta. Não digo isso por deslumbre, nem estou descobrindo Buk agora. Gosto dele bem antes de virar moda, desde o final da década de 80, quando eu era um adolescente desajeitado lendo Cartas na Rua na biblioteca nacional. Desde então, já li quase todos os clássicos, antigos e modernos. Ainda sou um rato de bibliotecas, lendo tudo que me aparece pela frente. Mas são poucos os livros que me dão tanto prazer de ler como os do velho. Por trás de suas histórias, de seu humor corrosivo e calejado, há um humanismo intenso. Uma coisa que acho que faz falta por aqui, um calor humano que o Brasil finge que tem mas que não tem porra nenhuma. Somos um país de pessoas frias, filhas-da-puta no mau sentido, uma burguesia mais cínica e mais burra do que em outros países.

Por isso gosto tanto de ler o velho Buk, para sentir essa fé... não no homem, mas na humanidade, se é que me entendem. Podemos às vezes nos sentir cercados de idiotas, ou mesmo nos sentir idiotas, mas sabemos, pela música, pela literatura, pela arte, que a humanidade é mais que isso. Que a humanidade é surpreendente e que o mundo, por mais que nos dê uns murros de vez em quando, é o mesmo mundo que pode, a qualquer momento, nos oferecer um bom gole de uísque, uma buceta quentinha e um maço de notas, só pra calar nossa boca resmungona, nos fazer olhar a vida nos olhos e dizer: vem cá sua vadia, eu te pago mais uma!

3 comentários:

Anônimo disse...

O filme é melhor que fizeram da obra dele. E o livro é muito bom. Abraço.

Tiago Muzulon disse...

Muito bem, eu tive o privilégio de assistir a primeira exibição do filme e ouvir todas as estórias do diretor norueguês. Porra Miguel, sinto coisas bem similares quando leio os textos do velho.

Anônimo disse...

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