Saí de casa por volta da meia-noite. Objetivo: comer um contra-filé no Nova Capela. Há alguns anos que não me concedia esse pequeno luxo... Na rua do Riachuelo, vazia e iluminada, um casal chama minha atenção. O homem caminha dois passos à frente, evitando encarar a mulher, que lhe aplica, intermitentemente, enérgicos empurrões no ombro.
- Você bebe e fica assim... ridículo.
- Eu não passei a mão em ninguém não.
- Cala a boca. Eu vi. Quero só ver se eu te botar um chifre. Na tua frente.
- Não fiz nada.
- ME RESPEITA! ME RESPEITA! Não sou nenhuma vagabunda! Se continuar assim, vou ficar com um amigo teu na tua frente. Vou beijar na boca na tua frente.
O homem não consegue caminhar em linha reta. Cambaleia para direita, para esquerda, e não tem coragem de encarar a mulher. Limita-se a dizer:
- Fala baixo. Fala baixo.
- Fala baixo nada! ME RESPEITA! ME RESPEITA! Não sou vagabunda.
A mulher já começa a ficar repetitiva. O homem também.
- Fala baixo.
- Vou botar um chifre em você, na tua frente. Beijar na boca dum amigo seu na tua frente.
- Fala baixo.
- ME RESPEITA, SEU MERDA!
Eu apresso o passo, não por falta de curiosidade, mas por compaixão pelo pobre homem, cuja maior angústia era que o mínimo de pessoas testemunhasse aquele vexame.
Lição da história: todo homem é bêbado, toda mulher é histérica, e a vida imita Nelson Rodrigues.
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8 comentários:
Fala a verdade, tu também já passou por isso... Como a vida imita ela mesma, isso sim.
Abração!!
Imita mesmo Miguel! A vida é um palco.
Se já passei por isso? Porra, mais de mil vezes e mil vezes mais dramático! Minhas experiencias não seriam rodriguianas, mas tragédias gregas com pitadas de pornochanchada brasileira barata...
Não sei, não. Numa história do Nelson Rodrigues ele provavelmente teria enfiado a mão na cara dela, que, por sua vez, sentiria prazer com o ato, embora demonstrasse, a princípio, indignação.
E só pra constar: cheguei aqui após receber um e-mail do meu tio, com um texto seu sobre o governo lula e toda essa construção mitológica dos direitistas a respeito da crise. Sensacional.
caro pedro, voce parece conhecer mais o nelson que eu, então não vou argumentar, ah ah, digamos que foi uma história rodriguiana só pela metade, um plágio escrito por uma feminista medíocre e furiosa... ah ah...
e o pior: em produções da globo.
Merry Christmas!
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