Há muitas semanas que venho querendo fazer uma entrevista com o escritor carioca Luis Eduardo Matta. Entrei em contato com ele, mas disso resultou antes um artigo, de minha autoria, sobre a Literatura Popular Brasileira, uma bandeira teórica defendida pelo jovem autor. Agora, vejo que o site Cortiça, saiu na minha frente e fez a entrevista. Publico abaixo um trecho da mesma.
É idealizador de um movimento batizado como LPB – Literatura Popular Brasileira, que defende o desenvolvimento de uma literatura de entretenimento brasileira. Fale um pouco disso.
Esse é um tema complexo. Eu sempre me perguntei por que o Brasil, que tem uma literatura tão extraordinária, um povo criativo e, ao mesmo tempo, um enorme déficit de leitura, nunca viu surgir uma corrente de escritores cujos trabalhos fossem destinados ao simples entretenimento do público leitor. Leio desde garoto, desde os dez, onze anos. A leitura para mim sempre foi um ato de lazer, equivalente ao que é, para muitas pessoas, ligar a TV à noite para assistir às telenovelas. E o que me despertou para a leitura, foi a literatura de entretenimento, mais especialmente, a literatura policial. Gosto dos clássicos, gosto da chamada “alta literatura”, mas sou também um grande leitor de best-sellers. Há muito preconceito por parte dos formadores de opinião em relação aos best-sellers. Isso ajuda a reforçar um estereótipo de que literatura é coisa apenas para intelectuais. Não acredito que o surgimento de uma literatura de entretenimento brasileira iria aumentar o número de leitores. Jamais atribuiria a ela esse caráter messiânico, redentor... Mas é preciso acabar com essa deferência que existe em torno do livro no Brasil. As pessoas só terão a leitura como hábito, quando a encararem como uma atividade lúdica, prazerosa, um momento diário de lazer e não como uma obrigação ou, pomposamente, como um instrumento indizível de busca pelo conhecimento e pela sabedoria. É preciso dessacralizar a leitura no Brasil. Só assim ela será democratizada. E se estamos falando da dessacralização da leitura, por que não falar também da dessacralização da escrita? Por que o escritor precisa, necessariamente, ter uma proposta ao fazer o seu livro? Por que ele não pode se limitar ao papel de contar despretensiosamente uma história de começo meio e fim? A LPB abriria um caminho a mais na literatura brasileira, não competiria de modo algum com a tradição já existente. Os livros seriam escritos, publicados e vendidos a quem se dispusesse a comprar. O que há de errado nisso? Ou será que a nossa intelectualidade é tão arrogante a ponto de querer determinar o que as pessoas devem ou não ler?
Qual é a sua opinião do motivo de existir uma escassez de escritores nesse gênero literário?
A literatura de entretenimento, em geral, não só a de suspense, nunca foi valorizada no Brasil. Quem diagnosticou isso muito bem foi o crítico José Paulo Paes, que afirmava que o panorama literário nacional sempre foi muito mais propício ao surgimento de literatos que poderiam prescindir da venda dos seus livros e ficariam satisfeitos com o prestígio que a sua obra lhe traria. A verdade é que a literatura de entretenimento, por si só, não traz prestígio ao seu autor. Ela necessita de uma resposta maciça de um público, digamos, mais amplo e isso é complicado num país como o nosso onde os índices de leitura são baixos, as tiragens mínimas, os canais de distribuição ineficientes e a mídia cultural muito reduzida se comparada ao volume mensal de lançamentos. Do mesmo modo, o ambiente literário brasileiro sempre foi dominado por intelectuais e pseudo-intelectuais, por vanguardistas e pretensos vanguardistas, alguns com muito estilo e pouco conteúdo. Quase todos querendo desconstruir a linguagem e reinventar, cada qual a seu modo, a literatura. Num ambiente assim, é difícil uma literatura modesta como a de entretenimento vicejar, pois ela não é, necessariamente feita por intelectuais e muito menos para intelectuais.
Além disso, existe um terceiro problema: os autores brasileiros não têm muita noção de como escrever literatura de entretenimento. Pensam que por ser uma leitura mais simples, sua concepção é fácil, o que é um engano fatal. Isso é particularmente evidente na nossa ficção policial, que, salvo algumas honrosíssimas exceções, é muito ruim, de uma inconsistência quase infantil. Os autores que se aventuram pelo gênero pensam que basta colocar um crime no início da história, um detetive destemido, algumas cenas de sexo, outras de ação, a solução do crime no final e bingo: está pronto o livro. Os resultados costumam ser sofríveis e estão aí; basta ir a qualquer livraria para ver. Os grandes autores internacionais de entretenimento, incluindo os de livros policiais, costumam reescrever suas histórias sucessivas vezes, dando-lhes um acabamento que seria improvável na primeira versão. Os escritores brasileiros, infelizmente, ainda não aprenderam isso. Eles não se deram conta ainda de que a concepção de um livro de entretenimento é extremamente complexa, até para que a sua leitura seja simples, fluente e estimulante.
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3 comentários:
yeah, viva a literatura popular!
Muito boa a entrevista. Perguntas ótimas e respostas perfeitas. E os livros do Matta são maravilhosos. Suspense da maior qualidade. "120 Horas" é para ler e nunca mais esquecer.
Abraços...
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